Minha adega brasiliense vive dias de insofismável crise.
Três garrafas de brancos, uma de tinto, nenhum espumante, meio
litro de whisky e uma meia dúzia de licores.
Uma tristeza....
Uma tristeza especialmente para alguns amigos que “adoravam”
frequentar (de graça) minhas taças.
Minha adega, há pouco mais de uma década, armazenava perto de
400 garrafas e era motivo de orgulho.
Não é mais.
Hoje “italianizei-me” e apenas compro o necessário para o
consumo do dia-dia (5/6 garrafas).
Alguns grandes vinhos, não mais de 12 garrafas, viajam em
minhas malas quando retorno ao Brasil, o restante compro no comércio local.
O meu novo “sistema” se revelou bastante racional e me ajudou
a descobrir etiquetas interessantes que já comentei e indiquei várias vezes.
Chardonnay da Tarapacá e da Cousiño Macul, o Chianti Ruffino,
os espanhóis Trascampanas e Yllera, o espumante português Murganheira etc. etc.
etc.
Semana passada as chuvas voltaram, o calor sufocante deu uma
trégua e ao procurar um tinto leve, para acompanhar um prato de carne,
constatei que em minha esquálida adega havia somente uma solitária e abandonada
garrafa de Barbaresco “Martinenga” da Marchesi di
Gresy.
Vinho caro, importante, que deveria ser aberto em um momento
especial e na companhia de amigos.
Deixei o Barbaresco sossegado em seu canto e resolvi visitar
algumas lojas do Plano Piloto.
Uma tristeza.
Prateleiras quase vazias por falta de produtos, etiquetas
desconhecidas e baratas, pouca variedade e, o pior de tudo, quantidade mais que restrita.
Comprar seis unidades, do mesmo vinho, nem sempre é possível
Várias enotecas brasiliense fecharão as portas em 2019.
Os anos dourados e os clientes do La Tache, Petrus, Cheval
Blanc, Barbaresco Gaja etc. se foram, não votarão tão cedo e as opções, que sobraram,
são porcarias (baratas) importadas e porcarias (caras) nacionais.
Mas, dei sorte.
Em uma loja da Asa Sul fui recebido por um vendedor atencioso,
falante (até demais) que sugeriu um monte de etiquetas descartáveis.
Quando o vendedor respirou e parou de falar, por um segundo,
disparei: “Tem Chianti Ruffino”
“Tenho e está em
promoção por R$ 55. Se o senhor gosta de Chianti precisa experimentar este”.
O elétrico atendente pegou uma garrafa e continuou: “Chianti San Felice 2011 por R$ 60. Magnífico ”.
Para me ver livre, do insuportável assédio, anexei, às
reservadas garrafas de Chianti Ruffino, mais duas de San Felice.
Na hora de pagar, mais um ataque do boquirroto e mais uma
surpresa.
“Gosta de branco suave?
”
“Gosto de branco, mas
não suave. Prefiro seco”, respondi.
“Pena...... Este branco
suave da Bolla está na promoção por R$ 40”
Olhei para a garrafa, olhei para o vendedor, contive o riso e....”Soave é o nome da cidade, o vinho é seco e por
R$ 35 levo quatro garrafas”.
Desconto concedido, apertei a mão do “suave” vendedor e fugi
para descansar meus tímpanos.
No dia seguinte, sem muito entusiasmo e esperando uma
“entubada”, abri uma garrafa do Chianti recomendado pelo vendedor da enoteca.
Derramei um pouco em uma taça e....... Surpresa!
“Abençoei” o vendedor “suave Bolla” no exato momento em que
provei o “Chianti
San Felice 2011”
Que belo e tradicional Chianti.
Já a cor rubi brilhante com reflexos alaranjados me
surpreendeu.
No nariz elegantes aromas frutados.
Na boca mais surpresas.
Estrutura média, taninos presentes, mas muito agradáveis,
elegantes, quase aveludados.
Um “pequeno-grande-vinho” perfeito
para acompanhar carnes ou apenas como aperitivo.
O “Chianti San Felice” é produzido, com uva Sangiovese, Colorino e
Pugnitello, em Castelnuovo
Berardenga.]
Somente uma bela aldeia, Castelnuovo Berardenga, poderia doar tão belo e honesto
Chianti.
Bacco