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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

O CHAMPAGNE.....ATRASADO

 


(A maior parte deste longo texto foi escrita antes da publicação de “Champagne x Espumante 3”, pelo que, boa parte das opiniões, pode parecer redundante, depois do que Bacco escreveu – Zé)

 


No ano passado, quando morei no Porto, aproveitei uma das melhores coisas que a Europa pode oferecer em termos de qualidade de vida: a oferta de comida e bebida.

Com frequência alternava minhas compras entre três supermercados (Pingo Doce, Lidl e Mercadona), duas quitandas próximas à Praça do Marquês, a excepcional padaria Brites, a Mercearia Local (com boa oferta de vinhos) e a ótima Queijaria da Praça.

E isso não para não falar das pequenas grandes enotecas do Porto, como a Cave Bombarda, a novata TheLAB e a multifacetada Sabores Monásticos.



Cheio de alternativas, para conseguir boa comida e boas garrafas a preços decentes, era difícil perder peso, como eu precisava, e muito fácil conseguir uma garrafa de espumante para beber como aperitivo ou acompanhar uma refeição leve naqueles meses de calor.

Em uma de minhas idas ao supermercado Lidl, em julho de 2022, encontrei uma garrafa do Champagne “Comte de Senneval” por 14 euros e a comprei.



Convenhamos: 14 euros por um Champagne, considerando os preços médios da denominação, é um valor irrisório.

Depois de algum tempo abri o “Comte de Senneval”: bom perlage, corpo médio, fluída, não muito complexa e os aromas não eram muito expressivos.

Lembrando da velha patacoada dos gaúchos, ao promover o produto local como o segundo melhor espumante do mundo, concluí que, na verdade, o segundo melhor espumante do mundo, depois do Champagne, era... o Champagne.

No caso, um Champagne barato, que podia não fazer frente aos melhores da região, ainda era uma boa alternativa, desde que pelo preço certo e recalibrando as expectativas.



Uma semana depois, fui a Braga visitar o amigo Leonardo, que me recepcionou com uma garrafa do ótimo espumante “Murganheira Reserva Bruto” (preço atual: 12,50 euros no supermercado Continente).

Naquela animada noite, de comes e bebes, no auge do verão bracarense, o Murganheira pulverizou a memória do “Comte de Senneval”, que ainda estava bem viva na minha cabeça.

Complexo, equilibrado, fresco, envolvente, impressionante.`



Mas como pôde o lusitano ter passado como um trator sobre o francês?

Não é fácil apontar uma causa única.

 Na etiqueta, do “Comte de Senneval”, lê-se que foi produzida pela Maison Burtin, cuja linha oficial de Champagne, intitulada “Hommage à Gaston Burtin”, omite qualquer referência à garrafa que bebi.

 “Comte de Senneval”, então, é o nome comercial que o supermercado Lidl dá ao Champagne produzido pela Burtin e que, pelo preço e pela falta de divulgação na página dos produtores, sugere que não é vinificado com as melhores uvas e melhores cuidados.

Por 14 euros eu não esperava, evidentemente, as melhores uvas e uma linhagem semelhante à da Gosset ou da Roederer, entre outros nomes do Champagne que já contam mais de duzentos anos – ainda que, para aqueles que creem em pontos, a “Decanter” tenha dado 91 pontos a uma garrafa da linha do Lidl: “Comte de Senneval” Brut Premium, Champagne, France (decanter.com)



Por outro lado, os 12,50 euros do Murganheira (e a inclusão da cuvée que bebi na página do produtor) mostram que o espumante português tem impressionante custo x benefício e não é renegado pela vinícola – ao contrário, é ativamente promovido por ela.

Vira e mexe, mestre Bonzo me recorda de como alimentos e bebidas podem “viajar mal”: longas distâncias, choques térmicos, falta de cuidado no manuseio... tudo isso pode impactar negativamente a qualidade dos produtos.

Considerando que a distância do Porto a Reims é de cerca de 1.800 quilômetros e a distância entre Braga e a região vinícola de Távora-Varosa é de menos de um décimo disso (uns 150 km), pode ser.

Ademais, os clientes do Lidl podem ter deixado o “Comte de Senneval” às moscas na prateleira por um tempo, enquanto o giro rápido do Murganheira (muito mais disponível em Portugal) ajudou no frescor da garrafa consumida.

Anos antes, visitando Bacco na Ligúria, paramos no Bar Sabot para um aperitivo.



Naquela tarde nublada, o garçom do Sabot serviu-nos o espumante Haderburg Brut, produzido no Alto Adige.

Um bom espumante, admito, mas, pelos 24 euros que a vinícola tirolesa pede por uma garrafa nos dias de hoje, eu pensaria três vezes antes de engordar os cofres da Haderburg.

Preço semelhante ao que a siciliana Cusumano pede por seu 700 Brut, recentemente elogiado por Dionísio.

Somemos a isso a explosão dos pét-nats – uma tendência que tem minha torcida para que se torne perene – e voltemos à pergunta do título desta série: Champagne ou espumante?

Minha resposta pessoal é: depende.

Se dá para gastar 30 euros ou mais, eu dificilmente trocaria um Champagne por um espumante de qualquer outra região (assim como Bacco já apontou no primeiro artigo da série).

Isso, claro, na Europa: no Brasil, 30 euros não compram nem o bom Champagne Moutard, provavelmente o melhor custo x benefício à venda no país (comercializado a R$ 311 à época da redação deste artigo).

A zona cinzenta parece mesmo ser a faixa de 20 a 30 euros.

No início do ano, aproveitei uma promoção do supermercado Conad, na Itália, e consegui uma garrafa do Champagne Heidsieck & Co. por 20 euros – quando o preço sugerido por uma garrafa ronda os 28/30 euros.

 Ainda seria a minha primeira opção e, admito, isso tem uma boa dose de conveniência: havendo uma opção oriunda de uma região consagrada, quanto você estaria disposto a arriscar pegando uma alternativa de outros cantos?

Em tempos de “dinizismo”, é bom ter uma bola de segurança.



Só com uma recomendação muito boa, como a do Cusumano 700 Brut, eu gastaria acima de 20 euros em um espumante que não seja Champagne.

Se você chegou até aqui no texto, parabéns: como prêmio, fique com uma singela contribuição a este debate.

Morando em Budapeste, em meio ao mar de espumantes sofríveis e disponíveis aos montes, tive uma surpresa muito agradável com o Brut da vinícola Hernyák: uma mistura refinada de Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Blanc em partes iguais.



 Acidez na medida perfeita, frescor, presença no paladar: está tudo aqui.

O preço? 7.500 florins, ou 20 euros.

Assim como o Ferrari, o Cusumano 700 Brut e alguns pét-nats, uma alternativa interessante aos Champagne.

 Aí vai depender da disponibilidade, de promoções, de suas experiências anteriores – um conjunto de fatores que se costumava chamar, há não muito tempo, de bom senso, mas que anda meio esquecido por aí.

Abaixo dos 20 euros, é difícil esperar milagre de Champagne – e aí o Murganheira, os crémants e os pét-nats deitam e rolam.

 Ou até alguns dos espumantes da lista acima, numa promoção.



Com tudo isso em mente e mais as informações trazidas por Bacco sobre terroirs (e recomendo que leiam/releiam a série “Terroir”, publicada aqui no início de 2014), os preços das terras, os custos de produção de uma garrafa e o ufanismo delirante dos predadores brasileiros, concluo que a medalha de prata da disputa dos espumantes tem mais de um dono – e um deles, dependendo do caso, pode ser o próprio Champagne.

 

P.S: se você reler este artigo, vai encontrar...

- Um bom espumante para experimentar na Hungria;

- Uma reiteração para que prove pét-nats (e pode até ser que um dia apareça um brasileiro bom, olha só);

- Dicas de onde comer no Porto se o orçamento para os restaurantes estiver curto, além de algumas enotecas da cidade;

- Um lembrete de que Champagne também entra em promoção nos supermercados;

- Um lembrete de que ainda há acento diferencial em “pôde”;

- A conclusão pessoal de que, melhor que se prender a uma região é ter opções, em qualquer faixa de preço, independentemente de patriotismo ou de jogadas publicitárias.



De nada!

8 comentários:

  1. Muito bom artigo. Por isso que pago para ler esse blog.

    Janjao Botelho.

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    Respostas
    1. ...e por falar em pagamento faz 15 anos que não vemos a côr do seu dinheiro kkkkkk

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  2. Belo artigo e faço coro nos elogios à Cave Bombarda. Na linha de champagne no Porto, a Garrafeira Tio Pepe e a Vinoteca (de Maia) possuem boas opções, todas acima de 30-40 euros.
    No tema Portugal, destaque para os espumantes Vértice e Murganheira vintage.

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  3. Olá colegas do mundo do vinho, aqui fala o seu amigo e connoisseur da ABS. É simplesmente impossível falar de espumantes sem citar as pérolas raras que temos no Brasil, considerado por muitos o 2o melhor país na fabricação de espumantes! Nossos terroir foi abençoado por Deus. É uma honra poder degustar espumantes de primeiríssima qualidade a 50 reais! Vamos valorizar o produto nacional com frescor, leveza e qualidade! Tim tim!

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  4. Eu sabia que num artigo sobre espumantes, nosso "connoisseur da ABS" iria dar as caras para enaltecer as preciosas espumas brasileiras, o segundo melhor país em qualidade...kkk
    Sou discípulo do BACCO desde 2015, quando havia no máximo 2 comentários aqui, isso quando havia algum! Acho legal mais gente aqui entrando nesse restrito clube e doses de humor, pelo menos pra mim, são sempre bem vindas.

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  5. Apesar de não ser meu favorito, o Heidsieck tem um bom custo beneficio. No natal do ano passado encontrei ele em um supermercado na Inglaterra por 14 libras, o que um belo preço. Alem disso e possível achar coisas interessantes no Lidl. Recentemente comprei um Chateau Les Tuileries por 7 libas. Bordeaux jovem, simples, sem passagem por madeira mas que foi uma bela surpresa pra um vinho do dia a dia. abraços

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