O assunto parece não esgotar: “Vinhos Velhos”
Recentemente, nosso velho conhecido, Jean Claude Cara-de-Pau, tentando
sobreviver, agora, no papel de “caviste”, desembarcou no país, que consome 1,6
litros per capita/ano, trazendo um sarcófago repleto de vinhos anciãos.
Quando abriu o esquife,
cheio de garrafas mofadas e catadas em adegas-tumbas de Beaune e arredores,
alguns blogueiros, sommeliers, formadores de opinião e convidados, babando e
suspirando, mal conseguiram disfarçar o orgasmo.
É o paraíso dos
enoloide.
Qual o fascínio, qual a atração fatal que os consumidores sentem
pelos vinhos velhos?
Será que a atração fatal tem origem naquela antiga e tola
máxima: “O vinho quanto mais velho, melhor….”?
Eu, Dionísio, nunca consegui beber um vinho com mais de 30-35
anos que deixasse saudade.
A melhor definição, sobre velhas garrafas, como sempre, foi de
Massimo Martinelli: “O vinho muito velho perde suas melhores características,
mas ganha emoções”.
Está certo, Martinelli, quando afirma haver muito mais emoção
do que razão, mas quase sempre a emoção é soterrada pela decepção.
Martinelli afirma que uma única vez bebeu um vinho com 40 anos
em perfeito estado de conservação e com suas características preservadas: Barolo Bussia de Aldo Conterno.
Qual o mistério então dos míticos franceses, do Brunello
Biondi Santi e outros, que permanecem vivos e perfeitos mesmo depois de
60-70-80 anos? (A
Biondi Santi sempre alardeou que seu Brunello ainda está vivo mesmo aos 100
anos).
É preciso, antes de tudo, não ser enoloide ao ponto de
acreditar, piamente, que os Biondi Santi, os grandes Château de Bordeaux, os
Romanée, Frescobaldi, Rothschild etc. da vida, são viticultores que trabalham
em suas vinhas de sol a sol, que acompanham dia e noite todas as etapas de vinificação
e que, por sua abnegação e duro trabalho, suas vinhas foram ungidas pelo Deus
Baco.
Enoloide, acorde!
Nossos amigos, que de abnegados não tem nada, são todos nobres,
empresários, banqueiros, industriais, comerciantes etc. riquíssimos e que
fizeram do vinho, graças aos endinheirados enoloides, uma das atividades mais
rentáveis do planeta.
Uma garrafa de Brunello, engarrafada,
etiquetada, tampada, embalada, pronta, enfim, custa, no máximo, 9/12 Euros seja
ela Biondi Santi, Capanna, Canalicchio di Sopra ou outra qualquer.
O ótimo Brunello “Sasso di Sole” custa 30/35 Euros e o Biondi
Santi 130/140.
O Biondi Santi é melhor?
Para bebedores de etiqueta, sim.
Eu não acho e nada
justifica a diferença de 400% no preço.
É mais ou menos o mesmo discurso das bolsas, sapato, roupas de
grife, que custam os olhos da cara e que são produzidas em Napoli, China, Índia,
Vietnam etc.
Você pode até ter problemas para saldar suas contas no final
do mês, mas contribui, orgulhoso, para a boa vida dos Louis Vuitton, Biondi
Santi, Romanée-Conti, Ermenegildo Zegna, etc. etc. da vida.
Quando você, finalmente, deixar de ser um enoloide que
acredita em pontos, prêmios, “Wine Especuleitor” etc., estará pronto para
deixar de usar KY e partir para a próxima etapa: Beber vinho e não etiqueta.
Você perguntará: “Se a Biondi Santi vende o Brunello de 1955, por 9.200
Euros, o vinho, de 64 anos, obrigatoriamente deve estar em ótimas condições ”
Sim, concordo, mas qual o “milagre” que só a Biondi Santi consegue realizar?
É preciso ir além de um ridículo curso como o “Entre Tapas e
Copos”, “WSET Desnível 3” ou outra arapuca qualquer.
E preciso pesquisar, ler, viajar e conhecer o caminho das
pedras.
A Biondi Santi, desde 1927,
adota a “ricolmatura” das garrafas mais antigas guardadas em suas adegas.
É bom lembrar que a quantidade de
garrafas estocadas ninguém sabe, pois somente em 1960 o Brunello consegue a DOC
e em 1980 a DOCG.
Os controles, antes das datas acima, inexistiam e a
Romanée-Biondi está livre para inventar a quantidade e as safras que quiser.
O que é “ricolmatura”?
Com o passar dos anos, a rolha perde elasticidade e o vinho
evapora lentamente.
A “ricolmatura” é uma operação em que a rolha velha é substituída
por uma nova e se completa a garrafa com um pouco de vinho da mesma safra
A Biondi Santi jura de pés junto que é apenas isso.
Um enoloide pode até acreditar, mas eu, não.
No livro “Vino al Vino”, Mario Soldati, descreve um encontro com Venanzio Sella,
proprietário da “Tenute Sella”.
Os Sella, banqueiros, industriais, comerciantes etc., entre
outras coisas, são produtores de vinho, em Lessona, desde 1671.
Soldati, no decorrer da conversa, comenta que, na visita aos
Biondi Santi, provara vinhos de 50-70-80 anos e que o Brunello realmente era o
vinho mais longevo da Itália.
Venanzio, com um sorriso malicioso, responde que ele também
poderia produzir vinhos centenários, para tanto seria preciso apenas usar a
fórmula que os Biondi Santi haviam “inventado” em 1927: De tempo em tempo basta, não somente
completar a evaporação, mas retirar um pouco de vinho velho e completar a
garrafa com vinho mais novo.
EUREKA!
Soldati esbugalhou os olhos e quase caiu da cadeira.
Balbuciou algumas
frases e confessou não saber em quem acreditar, se em Venazio Sella ou nos
Biondi Santi.
Eu não sou tão diplomático nem tão educado e não acredito em
uma só palavra dos grandes e riquíssimos produtores toscanos.... Biondi Santi
inclusos, duvido que a
“ricolmatura” aconteça de 25 em 25 anos e que seja realizada com o vinho da
mesma safra.
Ela pode acontecer quando e como os Biondi Santi bem
entenderem e com vinho que eles quiserem.
No escurinho da adega é possível fazer todas as “sacanagens”
possíveis e imagináveis sem que ninguém saiba nada.
É possível, até, produzir um vinho de 1955 novinho em folha.
Basta usar a famosa “Ricolmatura
Venanzio Sella”
O resto é folclore é lenda, para poder cobrar, dos enoloides
abonados, 9.200 Euros por uma garrafa de Brunello.
Você, que é um enoloide, acredita em todas as picaretagens do
mundo do vinho e quase desmaiou ao ver o sarcófago do Jean Claude Cara-de-Pau,
compre meia dúzia de garrafas do Romanée-Biondi 1955/1995 e seja feliz.
Dionísio
Boa!
ResponderExcluirNunca havia pensado nessa possibilidade na troca da rolha. Mas faz sentido.
ResponderExcluirSalu2,
Jean
Não é possibilidade. A Biondi Santi o faz, oficialmente, desde 1927. A pergunta: E por baixo do pano?
ResponderExcluirNa verdade, a questão da troca de rolhas pela Biondi Santi eu até conhecia. Só não havia imaginado a possibilidade de que pudesse acontecer alguma truta no procedimento. A gente é surpreendido a cada dia pelas mutretagens, lamentavelmente.
ExcluirSalu2
O que seria plausível para um rolha em termos de anos? 10/15 anos?
ResponderExcluirAbcs
O normal são 15-20 anos depois disso a rolha perde, aos poucos, a elasticidade
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