Mal cicatrizadas as feridas da guerra de 1915/1918, a Itália,
dos anos 1950, começava a lamber aquelas deixadas pelo conflito de 1939/1945.
Destruição, pobreza, fome, desemprego, desânimo, medo......
Uma nação onde tudo precisava ser reconstruído e repensado.
A Itália parecia uma nação que havia sido governada pelo PT.
Acredito que alguns dos lugares mais tristes e sombrios, do
pós-guerra, foram as aldeias da grande planície do rio Po.
Nas longas noites de outono a evaporação das águas, dos arrozais
que dominavam a planície, provocava neblinas tão intensas e espessas que era impossível
se enxergar alguma coisa três ou quatro metros adiante.
A neblina doava à paisagem, já naturalmente triste e monótona,
ar de filme de terror.
As aldeias, imersas no
cinza e silêncio da noite, pareciam imensos cemitérios.
Os raros locais onde a havia vida, intensa e barulhenta, eram as
"PIOLE".
A "Piola" (singular de Piole) era o
antigo e simples bar piemontês onde os homens, para esquecer a monotonia das aldeias,
se reuniam.
Na tarde-noite, a Piola
era o endereço obrigatório.
Depois do escurecer todos
se encontravam no bar para jogar "Scopa", fumar sem trégua, comer
"Bagna Cauda", salame, Gorgonzola e..... beber rios de Barbera.
Nas "Piole" a fumaça dos cigarros era tão densa que ninguém
sentia saudade da neblina das ruas.
Os calóricos salames, Gorgonzola, "Bagna Cauda" eram
motivos e desculpas (frio era outra...) para se consumir litros e litros de
Barbera.
Sim, a Barbera era a rainha dos antigos bares piemonteses.
"Nino, mesa bota!" (Nino, meia garrafa.)
Não era necessário identificar o vinho: Todos os donos de bar
sabiam que, a meia garrafa pedida, era de Barbera.
Se alguém quisesse Dolcetto,
Grignolino, Freisa ou outro vinho local, deveria especificar.
A cada partida de Scopa, mais Barbera.
Barbera para comemorar a vitoria, Barbera para esquecer a
derrota.
Assim era a vida nas aldeias e assim se bebia vinho na Itália
nos anos 1950-1960 e começo dos anos 1970.
Taças de cristal? Nem pensar!
Sommelier?
O que é isso?
Parker, Gambero Rosso, Decanter, Wine Spectator, Jancis
Robinson etc. só apareceram quando as "piole" desapareceram e os
italianos enriqueceram.
Nos anos 50/60 os italianos eram pobres, mas bebiam em paz.
Por que essa nostalgia repentina?
A primavera parece ter medo de aparecer e na Ligúria os dias
ensolarados se alternam com os chuvosos, frios, tristes, melancólicos.
Uma segunda feira ventosa,
de fria garoa e sem perspectiva de melhora, despertou o desejo de beber uma Barbera
à moda antiga.
Nada de Barbera premiada, badalada, pontuada, consagrada
(nossa... quantos "ada"), apenas uma Barbera, uma simples e honesta
Barbera.
Consultei, sem entusiasmo, minha pobre adega e resolvi
enfrentar cem metros de chuva para comprar uma garrafa no supermercado da
esquina.
Barbera de todo preço.
Barbera D'Alba, Barbera D'Asti, Barbera
del Monferrato, Barbera Oltrepò Pavese.....
Escolhi duas garrafas, de "Barbera D'Asti 2013" da vinícola Bersano e
corri de volta tentando escapar da chuva.
Em casa peguei uma das garrafas, abri e despejei um dedo de
vinho na taça.
Que bela Barbera!
Que bela escolha e que bom preço (6,90 Euros cada).
A Barbera D'Asti,da Bersano me lembrou,
imediatamente, aquelas antigas Barbera dos anos 50/60.
Aquela Barbera deveria ser bebida à antiga!
Esqueci a taça de crista, despejei uma generosa quantidade de
vinho em um copo de vidro espesso, cortei algumas fatias de salame, algumas de
pão e...... foi a festa.
A Barbera de cor rubi
brilhante, jovem, fresca, com seus perfumes característicos..... Uma festa para
o paladar de quem aprecia um bom vinho.
A Barbera D'Asti 2013
da Bersano, algumas fatias de salame, uma boa música, foram suficientes para
espantar frio, chuva e melancolia.
Barbera D'Asti 2013 da Bersano, um pequeno-grande vinho
Bacco
PS. A matéria inaugura uma série intitulada: "Histórias
de vinho que os Sommeliers não Conhecem"
Ciao, Ba.
ResponderExcluirSabe que seus textos me lembram aquelas cartas da Ele&ela que o pessoal "mandava" para a revista publicar. Na boa, quando comeca a descrever paisagens e historias, vos mece se supera.
Sao textos que podem ser lidos algumas vezes... e a gente viaja no como foi/poderia ter sido/era.
Bravo, bastardo.
Obrigado. Estou com o saco cheio dos caga-sentença que escrevem, pontuam, vinhos sem conhecer a história do vinho. Vinho tem histórias
ExcluirMaravilha Bacco.
ResponderExcluirEste vinho no Brasil custa em média 100,00 Dilmas!
Tem no Brasil? Quem vende?
ExcluirAgora são 100 temers!!.....a querida já era!...
ResponderExcluirfaço minhas as palavras do JR: adoro quando B&B resgata essas histórias.
ResponderExcluirsobre a Barbera Bersano, achei para vender na Brilho do Gilberto Salomão, por R$ 79, mas é 2010. será que ainda presta?
Eduardo, compre uma e prove. Acredito que um pouco mais atijolada ,mas boa.
ExcluirÓtima notícia o retorno aos posts de vinho!! Ainda mais sobre as Barbera, que mereciam uma serie especial exclusiva. Tem vinho melhor para o dia-a-dia?
ResponderExcluirHá tempos, segui dica aqui do blog e fui provar a do Burlotto in loco. Como me arrependo de não ter trazido mais garrafas.... E hoje, quais seriam as melhores Barbera custo X benefício?
Parabéns! Belo texto e um barbera é sempre um bom vinho para se beber no inverno.
ResponderExcluirno inverno, verão, primavera.......kkkkkkkk
ResponderExcluirBelissimo e nostalgico texto !! Comprei 4 barberas bersano na brilho que ja repousam na minha adega anciosas pelo seu retorno ,....
ResponderExcluirFurfo