Se os Chardonnay de Marc e Pierre Jambon sempre me “obrigam” a
um desvio de rota (Pierreclos não é exatamente meta obrigatória), não é preciso
sair da estrada principal para encontrar, em Morey-Saint-Denis, Jean Raphet e
seus ótimos Pinot Noir.
Nas matérias anteriores escrevemos sobre um Pinot Noir gaúcho.
É preciso voltar a
falar de vinhos sérios.
Nada melhor, então, para
retornar à seriedade, do que apresentar o viticultor Jean Raphet.
Com sua personalidade única,
sua história e seus grandes Pinot Noir, Jean Raphet é um personagem cativante
que representa, com fidelidade, o espírito vinícola da Borgonha.
Mas quem é Jean Raphet?
Quais as razões do meu entusiasmo?
Jean Raphet, viticultor em Morey-Saint-Denis, é apenas mais um
entre centenas de bons produtores da Borgonha que, apesar de vinificar com
maestria, não despertaria minha atenção se não fosse sua simpatia, gentileza,
simplicidade, filosofia de vida (que se parece muito com a minha) e sua incomum
gentileza ao receber.
Jean Raphet, ao
contrario da maioria dos viticultores locais, nunca vendeu todas as suas
garrafas.
Durante décadas e a cada
vindima, foi reservando, especialmente nas boas safras, parte de sua produção
que aos poucos foi estocando em um canto de sua adega.
Quando completou 70 anos (hoje está com 76)
Jean Raphet atingiu um numero significativo de vinhos armazenados: 40.000
garrafas empoeiradas de Chambertin-Close-de-Bèze, Charmes-Chambertin, Clos-Vougeot,
Clos-de-La-Roche, Gevrey-Chambertin Les Combottes, Gevrey-Chambertin Les
Corbeaux etc.etc.etc. dormiam no escurinho da adega.
Era chegada a hora de
se aposentar.
Raphet entregou vinhas e vinícola para os filhos, se afastou
dos negócios e hoje vive tranquilo, em Morey-Saint-Denis, vendendo, aos poucos,
suas 40.000 garrafas de antigas safras aos clientes fieis e aos turistas que
nunca faltam na Borgonha.
Na adega de Jean Raphet é possível encontrar garrafas dos anos
70-80-90-2000 todas em perfeita forma e por preços mais que justos (às vezes
nem tanto.... É preciso negociar).
Bem no centro de Morey-Saint-Denis, quase em frente ao
monumento (em cada aldeia há um...) aos mortos nas guerras de 1915 e 1939, sua
residência é facilmente identificável.
Um aviso: Chegue com boa disposição, fígado em dia e muita vontade
de beber; Jean Raphet bebe como gente grande.....
“Querem degustar algumas garrafas?”
Com seu inseparável boné, suas roupas desleixadas, olhos vivos
e disfarçados por grossas lentes, sorriso maroto, grande disposição pra abrir
garrafas, Raphet abre a porta de sua “sala de degustação”.
Charme? Zero
Sofisticação? Zero.
Vinhos? Ótimos.
Garrafas e mais garrafas são abertas sem cerimônia ou economia
pelo inquieto Jean que, entre um gole e outro (como bebe o homem...), exclama “Querem
provar um Charmes 1990 ou preferem um Clos Vougeot 2001?”.
Raphet é um saca rolha humano!
No final da degustação, visivelmente alegre e com um sorriso engessado que
não saia de minha face, havia comprado 4 garrafas de Charmes-Chambertin 1989 (60
Euro), 4 de Clos-De-La-Roche 2000 (50 Euro) 2 Clos-Vougeot 2001 (50 Euro) e 2
de Chambertin-Clos-de-Bèze 1991 (150 Euro).
Jean Raphet, quando percebeu que pagaria em dinheiro vivo, não
se conteve; abriu mais uma garrafa, desta feita de Bonnes-Mares 1990, que
religiosamente e em meia hora esvaziamos e, não escondendo sua já exagerada
alegria, me cobrou “apenas” 120 Euro pelas garrafas de Clos-De-Bèze.
Quem passar por Morey-Saint-Denis e não visitar Jean Raphet
jamais poderá entender a Borgonha, seus vinhos, seus personagens.
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