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terça-feira, 24 de agosto de 2021

A GRANDE DECEPÇÃO BRANCA

 


Vasculhando minha memória, antes que o Alzheimer reine absoluto em meus neurônios, voltei ao final dos anos 1970 quando comecei a me interessar mais seriamente pelos vinhos.

As primeiras viagens pelas regiões vinícola da Itália e França, as primeiras descobertas, boas e más, os primeiros contatos com os produtores, a busca por castas pouco conhecidas e uma enorme vontade de aprender.

 Primeira sede saciada: A triste descoberta que a maior parte das revistas, sites, críticos etc., já naqueles anos, não eram sérios, isentos, confiáveis.

Muitos foram as decepções quando, parecendo zumbi bêbado, seguia as sugestões e indicações dos “deuses das taças”, de então, e não lembro as incontáveis vezes que entrei pelo cano pagando 5 $$$$$$ por vinhos que valiam ½ $

As primeiras e inesquecíveis “eno-entubadas”, ocorreram nos anos 1990/2000

1ª Eno-entubada: Uma garrafa de “Gavi La Scolca Etichetta Nera” pela qual paguei, em um restaurante de Santa Margherita Ligure, exatas 42.000 Liras (o Euro ainda não existia)


O Gavi era o vinho da moda, os ingleses e americanos compravam todas as garrafas que encontravam (85% da produção era exportada para estes dois países).

Em menos de 8 anos a área plantada passou de 1.076 hectares para os atuais 1.510 e as garrafas produzidas saltaram de 9 para 13 milhões.

Muito produtores, para atender as avalanches de encomendas e acreditando no eterno e sucesso, já não se importavam com a qualidade e engarrafavam cachos e mais cachos sem muito ou nenhum cuidado.

Resultado: O Gavi, que antes vendia “sozinho”, hoje encontra enormes dificuldades para escoar a produção mesmo ostentando preços atraente.

Voltando ao “Gavi Etichetta Nera La Scolca” de 42.000 liras.

Certa noite resolvi jantar em um restaurante na marina de Santa Margherita Ligure.


Refinado, característico e eminentemente turístico, o restaurante não era exatamente indicado para cartões claudicantes; ali somente os bravos sobreviviam e eu era, naqueles anos, um dos bravo (leia-se: pavão-bobão)

Consultei a carta de vinhos e.... “Gavi Etichetta Nera” La Scolca Lire 42.000.

 Mesmo sendo pavão-bobão quase enfartei.

 Chamei o garçom e perguntei se aquele preço era o real ou um erro de impressão.

“O senhor conhece o Gavi Etichetta Nera? ”

Respondi que ainda não fôramos apresentados e que pelo preço sugerido, de 42.000 liras, provavelmente, jamais seriamos íntimos.


Quando argumentei que aquela garrafa de Gavi custava quase o dobro de um bom Barolo o garçom, preparado e esperto, explorou minha vaidade:  “42 mil liras não são poucas, mas um refinado apreciador, como o senhor, não pode deixar de provar um vinho que é apontado, pelas revistas especializadas, como um dos melhores brancos da Itália”.

Massageado, meu ego, não resistiu;  orgulhoso e poderoso, não mais titubeei


…. ”Abra! ”

Já no primeiro gole percebi que o Gavi La Scolca não valia nem 4.200 liras......

Se aquela era a “obra prima” da enologia peninsular, qual adjetivo usar para o muito superior “Il Coroncino” Verdicchio dei Castelli di Jesi de Lucio Canestrari?

Resultado da experiência: Nunca mais comprei uma garrafa da vinícola “La Scolca” e minha fé nas revistas, blogs, sites, crítico etc. se esvaiu rapidamente


Anos depois, quando já havia mandado à merda todas as revistas especializadas, críticos, sites, blogs etc. e confiando apenas em minhas experiências, conhecimentos, paladar e olfato, recebi um convite para visitar uma vinícola no município de Gavi.

Boitano, chef e proprietário do mais incrível restaurante que Chiavari já teve, comentou: “Amanhã vou até a vinícola de Bergaglio para comprar algumas garrafas. Quer me fazer companhia? ”

Consultei minha agenda para verificar meus compromissos e....nenhum até 2030.

A vinícola em questão era a “Nicola Bergaglio” em Rovereto.


Rovereto é um micro distrito de Gavi com duas dezenas de casas, uma igrejinha, pouco mais de 70 moradores, todos produtores de vinho.

Gianluigi Bergaglio, filho do falecido Nicola, nos recebeu cordialmente, fez questão de abrir algumas garrafas de diferentes safras e conduziu uma pequena degustação.

Seu extraordinário “ Gavi Minaia” desafiou o tempo com sua estrutura.

A elegância e fineza, do grande Gavi, me pareceram proverbiais e ao paladar o “Minaia” revelou incrível persistência.


Bons seu Gavi “base” e o barricado “Ciapon”.

Preços? O Minaia e Ciapon = 5 Euros o Gavi base 4 Euros.

Para alcançar a vinícola de Bergaglio é preciso passar pelos portões da “rival” “La Scolca”.

Durante a degustação não resisti e comentei que o Minaia me parecera superior, em todos os quesitos, ao pluri-premiado “Etichetta Nera” da vizinha La Scolca.

Bergaglio, sorriu e respondendo ao meu elogio, matou a charada: “Eu vendia o excedente das uvas para o Soldati (proprietário da La Scolca), mas há alguns anos tivemos um desacordo sobre valores e hoje vinifico toda a colheita”.


Quase me mandei à merda…. Pagara, em 1999, 42.000 Liras (21 Euros) por um vinho produzido com as sobras das uvas de Bergaglio e 20 anos depois, estava, eu, comprando um fabuloso Minaia por menos de ¼ do preço.

Pensando melhor, me resguardei, me perdoei e mandei à merda revistas, blogs, sites, críticos etc. que faturam alto para enaltecer vinhos de dúbia qualidade.

Eu me basto e.....basta.

Bacco

P.S Próxima matéria: “A Grande Decepção Tinta”

   

5 comentários:

  1. Va bene, Pestvs emeritvs?
    Esse tipo de post que renova minha fe na humanidade e nesse blog.

    Auguri, salute, fortuna.

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  2. Grande Arganaz, você massageia minha quase nula fé no blog . Abraço

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  3. Calma que as coisas estão melhorando...

    Startup fatura R$ 4 milhões com vinho na caixa que dura um mês
    A Fabenne, startup de vinhos bag-in-box, vendeu 50 mil caixas apenas no primeiro semestre deste ano; aposta é na democratização da bebida

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    Respostas
    1. Está definitivamente resolvido o problema do intestino preso: Tomou.....cagou

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  4. Bacco, boa tarde!
    Preciso como sempre.
    Vc alterou o seu e-mail ou não está respondendo aos pobres mortais?
    Salute!

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