Após longa briga pelo telefone, para receber meu pagamento
pelos desserviços prestados (a promessa eram alguns francos franceses ao mês),
Bacco ofereceu pagamento em vinho da terra.
De pronto aceitei.
O que poderia dar
errado ao receber vinho da terra?
Tratado assinado, parti para mais um texto que pode mudar os
rumos da internet.
A ideia era
falar sobre o espetáculo de conhecer coisas e pessoas diferentes, culturas,
histórias, comidas, idiomas...enfim, o grande show que ocorre no planeta há
alguns bilhões de anos.
Escreveria que não devemos perseguir o consumismo, a mudança
frenética de amigos, hábitos e ou lares, para ter alguma e qualquer alegria fugaz
na vida.
Leia o tanto que
Diderot se ferrou após comprar um mísero dressing gown (sei lá como se fala
isso em português).
Recomendo mesmo a leitura do efeito Diderot e como tudo
começou.
Não queira entender porque as pessoas vivem vidas miseráveis
com a mesma ocupação profissional, esperando o dia para se aposentarem e
perceber que jogaram uma vida fora.
Não queira entender
porque temos 1500 uvas à disposição no mundo, muito mais tipos de vinhos, se
consideramos os blends os estilos de vinificação e as regiões e ainda assim
ficamos confinados à Cabernet, Chardonnay, um Merlot aqui, outro ali...e no
caso dos “homos bananicos”, Malbec argentino e Carmenere chileno.
Tenho tido a sorte, ultimamente, de experimentar muita coisa
nova no mundo do vinho.
Uvas e regiões desconhecidas, sabores e aromas novos.
Nem sempre são maravilhas, mas dão um sabor extra e
interessante à vida.
Aqui, agora, temos a temporada de cogumelos silvestres.
Sabores, cores e texturas novos.
Vida à vida.
Os alertas, pedidos e súplicas são feitos, por B&B, há
anos: Mude de atitude. Seja mais
crítico, experimente, ouse, celebre, aprenda e puna os picaretas e sabichões
com a arma que merecem: Completo esquecimento.
No caso de
enoblogueiros, seria interessante acompanhar o que fariam, na vida, se não tivessem
tantos jantares e almoços para comer e encher a pança de graça.
Dito tudo isso, leio uma notícia que quase me fez furar os
olhos: Bacco me pagaria, sim, com vinhos da terra, mas de São Roque.
E ele compraria os vinhos no afamado e impagável (figurativamente
e quase literalmente falando) Dalva e Dito, by Alex Atola.
O Atola, me
disseram, é aquele que vendeu caldo Knorr na TV.
A busca incessante pelo melhor do terroir brasileiro passa
pelo caldo Knorr.
Lembro quando o grande
chef foi ao Manhattan Connection e revelou que mandava buscar, de avião,
produtos da Amazônia (ou cercanias) para a cozinha dele.
Mandei um e-mail
singelo ao programa elogiando o sentido ecológico do nobre chefe.
Nada é mais patético “eu respeito a
natureza do meu planeta” do que importar temperos e tucupi do
norte de
avião.
Gasto de gasolina zero.
O mesmo não se pode
dizer de diesel e querosene.
Não quero culpar o nosso Ferran Atola pela escolha do vinho,
mas leio algumas pérolas num blog que diz coisas do tipo “...Um destaque valorizando o terroir nacional fica
por conta do inusitado e saboroso Cabernet Franc brasileiro da região de São
Roque. Elaborado exclusivamente para o Dalva e Dito, o pequeno produtor
responsável pelo vinho de garrafão é Gustavo Camargo Borges da vinícola Bela
Quinta. É uma espécie de resgate ao vinho camponês, aproximando os clientes o
trabalho do produtor. Elaborado com 100% Cabernet Franc, o vinho traz frescor,
frutas vermelhas e negras além de especiarias como pimenta preta. Na boca fácil
de beber traz equilíbrio, taninos macios e fim de boca frutado – muito
bom. “
São
Roque tem pista de esqui artificial.
São
Roque tem congestionamento.
Você
sai de SP e pega congestionamento para visitar seu sítio que acabou de ser
furtado.
Quando
um vinho pode ser chamado de inusitado (leia acima, de novo)?
Adivinha….
Qual
foi a última vez que você falou que seu casamento, seu emprego, suas vidas eram
inusitadas e isso queria dizer algo de bom?
Quem
precisa resgatar o vinho camponês?
A
tecnologia atual nos salvou das zurrapas que eram produzidas mundo afora.
Vinhos pavorosos vinificados nos melhores
lugares do mundo que duravam apenas alguns meses nas garrafas e logo eram
consumidos por leveduras do mal.
Quem
quer comer comida camponesa?
Essa
comida era de uma época em que passávamos fome no mundo.
Não havia transporte nem armazenamento
eficientes.
Você
comia o que tinha ali no local.
Galinha,
fruta do pomar (uma vez ao ano), uma hortinha e alguma farinha que vinha de
longe.
Matava
um animal e corria para fazer linguiça, bacon, etc.
Enquanto
o resto do mundo bebe e experimenta milhares de uvas, milhares de queijos,
centenas de azeites de olivas, centenas de cervejas, charutos…...as coisas boas
e por vezes até baratas da vida, temos que nos contentar com isso.
Você
merece ir lá e pagar R$ 100 por um frango feito com terroir brasileiro além de
R$ 15 por um copo de vinho de garrafão dos Alpes do estado de SP.
Ao
invés de falarmos das boas coisas do país como as novelas, o programa espacial,
o gado zebu, que no pasto aguenta 50 graus no lombo, ou o revolucionário porco
piau que produz o melhor presunto cru do mundo lá em Warta no PR, estamos
falando de vinho de São Roque.
Tenho
certeza que produzir vinho em São Roque não caracteriza nenhum pecado.
Todos são livres para produzir o que quiser, onde
quiser, mas os louvores à essa região beiram preguiça “jornalística” (adoraria
que os autores da matéria tomassem o vinho de garrafão durante um ano e todos
os dias).
Bacco
me fez quebrar a promessa de nunca mais falar de vinho brasileiro.
Aguardo meu pagamento em troca desse calvário.
Que
tal vinho da terra piemontesa, só para variar?
Bonzo
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