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quinta-feira, 14 de março de 2024

FELIZ O TEMPO QUE PASSOU 3

 


Em minha última matéria abordei o declínio dos grandes “papas” do vinho que comandaram as tendências, gostos e desgostos, dos enófilos, por mais de duas gerações.

Devo informar que os Parker & Cia não influenciaram somente o consumidor, mas revolucionaram todo o sistema produtivo, também.

A maior parte das engarrafadoras italiana produzia vinho com as uvas fornecidas por pequenos viticultores.



Durante muitos anos o sistema funcionou normalmente sem grandes mudanças.

Com o passar dos anos os viticultores perceberam que os vinhos, produzidos com suas uvas, eram vendidos, pelas engarrafadoras, por preços altamente lucrativos e os donos das grandes vinícolas a cada dia se tornavam mais ricos e não se preocupavam em esconder suas vaidades, frequentando programas televisivos, restaurantes estrelados ao lado de belas mulheres e desfilar com SUV de alta cilindrada.



 Os pequenos vinhateiros pararam para e pensar e... “Espera, aí....se deixar de vender as uvas e eu mesmo vinificar e engarrafar posso ganhar muito mais”.

Em poucas e simples palavras foi o que exatamente aconteceu, assim, milhares de viticultores deixaram de vender seus cachos e começaram a produzir suas garrafas.



Exemplos 1: Bruno Giacosa não possuía uma vinha sequer e seu famoso “Barolo Vigna Rionda” nascia de uvas fornecidas pelo viticultor Tommaso Canale.



Canale, que possuía 1,64 hectares de vinhas, no famoso cru de Serralunga D’Alba, foi acompanhando a evolução dos preços de Giacosa e um belo dia decidiu que era chegada a hora de deixar de vender suas uvas e começar a produzir o seu “Barolo Canale Vigna Rionda”.

Tommaso Canale foi um dos milhares de viticultores que tomaram a decisão de vinificr em próprio e entraram no mercado com suas etiquetas.



Exemplo 2: A Nicola Bergaglio não vendia suas uvas Cortese, mas entregava seu vinho, já engarrafado, à famosa vinícola “La Scolca” que somente tinha o trabalho de etiquetar e vender o “Gavi dei Gavi Etichetta Nera” por 400% a mais.



Alguém acredita que os predadores sentiram o golpe, se apavoraram e decidiram pagar mais pela matéria prima aos pequenos viticultores?

Quem acreditou, errou e errou feio.

As vinícolas estavam com os cofres tão abarrotados que não tiveram nenhum problema em sair às compras (Giacosa, incluso) e arrematar tudo o que podiam e queriam.

Resultado: Em 1990 havia, na Itália, 791.000 empresas vinícolas em 2023 o número baixou para “apenas” 255.000.

 Outro dado importante: em 1990 tamanho médio das propriedades era de 0,9 hectares hoje é 2,5 hectares.

Quem resistiu, não vendeu e se estruturou, ganhou muita grana.



Exemplo: Em 1990 um hectare de vinhas de “Brunello di Montalcino”, valia 40 milhões de Liras que correspondem aos atuais 36.550 Euros.

Hoje quem quiser comprar o mesmo hectare, em Montalcino, deverá desembolsar 750.000 Euros.

Mas o mundo gira, gira, gira e.....agora há mais uma crise no setor que atinge, fortemente, os vinhos tintos.

O alerta começou nos Estados Unidos onde, em 2023, as vendas dos tintos diminuíram em 9%.

Os mais atingidos foram os vinhos produzidos com Cabernet Sauvignon -7%, Merlot –12% e o Syrah -17%.



Na Itália, também, os vinhos tintos perdem terreno e a grande distribuição (supermercados, atacadistas, distribuidores etc.) diminui em 800.000 hectolitros suas compras de Barolo, Amarone, Chianti, Brunello, di Montalcino, Montepulciano, Primitivo, Nero D’Avola etc.

Os produtores mandam, de uma vez por todas, os vinhos parkerianos para a lixão da história vinícola e apostam em garrafas com menos álcool, leves e com forte identidade territorial.

Para completar o quadro de declínio: muitos países  produtores, entre eles, USA, Chile, Argentina, Austrália, África do Sul, estão erradicando os vinhedos de Cabernet Sauvignon, Merlot e Cia substituindo-os por Chardonnay e Sauvignon Blanc.



No Brasil dos trópicos e dos 35º de temperatura, os grandes entendedores de vinho, continuam bebendo Amarone, Barolo, Nero d’Avola, Malbec e quanto mais alcoólicos melhor.

Para encerrar, não poderia deixar de parabenizar à vinícola Lídio Carraro que, com seu apurado faro de grande predador, lançou o “Vinum Amphorae” um blend de Merlot, Pinot Noir, Nebbiolo e Malbec.



Não sei se o “Vinum Amphorae” vem com um folheto explicativo escrito em latim, como na etiqueta, mas sei que seus 15,5º de álcool e seus R$ 657,90 de custo, comprovam que a Carraro é o palhaço mais ridículo do circo vinícola brasileiro  



Parabéns!

Dionísio

 

segunda-feira, 11 de março de 2024

A VIDA SEM ÁLCOOL

 


A série histórica de Dionísio, titulada ‘’Feliz o Tempo que Passou’’, tem alguns pontos que servem de debate.

 Gosto desse tipo de coisa. 

Algumas salvas de entrada: A renda per capita média na Itália em termos REAIS de 1960 até 2023 sofreu uma redução de 5%.

 


 Baita cacetada, portanto. 

Países, outrora do G7, com redução populacional a níveis alarmantes envelhecem e perdem consumidores.

Paulada dupla turbinada.

Os níveis de álcool, consumidos na Itália (em outros países europeus idem), de 1960 até meados de 2020 caiu, e caiu muito.

Não foi somente o consumo de vinho.


Jovens e mais velhos estão adquirindo conhecimento muito rapidamente sobre os malefícios de bebida alcoólica (resistência à insulina é para mim o pior de todos). 

Como já provam e dizem vários pesquisadores na área: Não há nível seguro de álcool.

 Quanto mais e mais frequente, pior.

Em casa somos/éramos consumidores normais de bebidas alcoólicas por décadas.

Algumas transformações hormonais e alguns meses sem beber álcool mostraram rapidamente os benefícios de cortar álcool do cotidiano.

Infelizmente a vida REAL melhora sem álcool (ou sem qualquer outra substância que altere o estado mental). 

Aquela outra vida (fuga da realidade) pode esperar para mais tarde.



O último ponto e vantagem em não beber álcool: Sobra dinheiro de baciada no mês. 

No chamado primeiro mundo os jovens voltaram a morar com papai e mamãe (bando de inúteis literalmente sem vergonha) e isso acarretou sobra na renda deles que está sendo gasta em baboseira.

 Houve um aumento considerável em gastos de coisas supérfluas.

 E o álcool não consta da lista deles.

Resumo da epopeia: Há décadas que os níveis de álcool, nos países tradicionais, desabam.

 Enquanto isso há aumento das populações em lugares bem mais pobres (África, Índia) onde não há costume de bebida alcoólica ou a religião não permite.  

As boas e más notícias se espalham rápido (sic), como os milhares de artigos citando malefícios do álcool e o aumento do consumo de cocktails e outras bebidas sem álcool.

 Amigo conta para amigo que conta para amigo que tomou gin, whiskey, vinhos deliciosos sem álcool. 


Muita risada, muita cantada, muita batida de carro, tudo isso às custas de álcool, o lubrificante social há milhares de anos movendo o planeta (nem sempre na direção correta) perde a tal majestade. 

 Será que haverá substituto para uma vida sem eventual fuga da realidade?

Ao mesmo tempo que me tornei mais ciente de cortar ao máximo a bebida da minha vida, também me lembro da importância de aproveitar cada etapa da vida no limite do que for possível.



 Arrependimento das churrascadas com pavê de sobremesa?

 Nunca.

Foi ótimo.

 Os mais jovens estão satisfeitos com uma vida sem carro (outra tendência forte), sem álcool, sem sexo, sem estudo, sem emprego ou carreira, sem conquistas, sem viver. 


Velhos e inúteis bem antes da hora........ Percamos quaisquer esperanças

 Bonzo

sábado, 9 de março de 2024

FELIZ O TEMPO QUE PASSOU 2

 

Os primeiros “influencers”, dos anos 1960/1970, foram, sem dúvida, os grandes responsáveis pelas mudanças no comportamento e preferências dos consumidores e na transformação do vinho comum em um produto de elite.

Os vinhos já não eram ótimos por si só, era preciso ter uma etiqueta renomada, premiada, pontuada e já não bastava ser apenas um Barolo, Barbaresco, Brunello di Montalcino, Amarone, etc. é preciso ser um Dal Forno, Biondi Santi, Gaja, Conterno, Giacosa….



Nascem as grandes marcas e..... os grandes preços.

Nas adegas o prático e tradicional “cantiniere” (chefe da adega) cede o comando ao diplomado enólogo que não reluta nem demora em implantar novas e sofisticadas tecnologias para atender o “gosto” da nova leva de “papas” vinícolas:  The Wine Advocate, Parker Suckling Wine Spectator · Wine Enthusiast · Decanter · Jancis Robinson, Gambero Rosso etc.


O enólogo, em pouquíssimo tempo, se torna a figura indispensável nas degustações, feiras, apresentações, palestra, é visto como um semideus das uvas, alcança o sucesso e assume atitudes de uma estrela hollywoodiana.

Lembram quando a Miolo “contratou” o Michel Rolland, o maior “enólogo-cigano” da história do vinho, o apresentou como o mágico das barriques e que poderia transformar a Serra Gaúcha na nova Bordeaux?



O Rolando Lero era bom, mas não um mágico, assim, a Serra Gaúcha, Miolo e outros predadores da região, continuam produzindo os mesmos vinhos medíocres e irracionalmente caros.

Quando se noticiava a chegada de um enólogo europeu, às terras Tupiniquins, era quase risível assisti ao frisson que tomava conta dos sommelier, diretores da AB$ e dos enófilos em geral.


O Rolando Lero e outros, eram reverenciados, bajulados, endeusados, admirados como se super-homens fossem.

O vinho passou a ter um sucesso sem precedentes e, sempre “empurrado” por Parker & Cia., aderiu, de uma vez por todas e sem limites, aos apelos e preços da moda.

Madeira sem limites, quase marmeladas, grande concentração, aromas inúmeros e incríveis (adicionados?), alta gradação, biológicos, biodinâmicos, de garage, naturais, ânfora .... modas que fizeram sucesso e encheram os bolsos dos grandes predadores do vinho.



No Brasil se alguém tivesse bebido algumas garrafas renomadas, cursado uma das “trocentas” escolas de sommeliers, realizado uma ou duas viagens pela Europa vinícola, conseguia o passaporte para escalar a hierarquia social e ser admirado e secretamente, invejado.

Assistimos, quase incrédulos, a uma verdadeira explosão dos cursos de sommelier, quase todos ridículos, mas que desovaram uma multidão de “experts” que, com diplomas nas mãos, conseguiram, enfim, seus 15 minutos de notoriedade.



Nomes? Copello, Arrebola, Russo, Assada, Beato etc.

O tempo lenta, mas inexoravelmente, se encarregou de sepultar os enólogos-estrelas e os “sommerdiers” de vida (fácil?).


As múmias do vinho levaram para seus sarcófagos os vinhos parkerianos, biodinâmicos, ânforas, naturais etc.

 Os jovens pos-parker consomem menos vinho, tem pouca grana, não dão mínima para pontos, estrelas, bicchieri e todas as picaretagens inventadas pelo setor.

 As novas gerações preferem beber cerveja, spirtz, vinhos tintos leves, brancos frescos, espumantes (Prosecco em 1º), com baixo teor alcoólico e ….baratos.



Os vinhos parkerianos e caros, ainda fazem sucesso entre os enófilos mais velhos e quase sempre provenientes de países com pouca tradição vinícolas.

 Os “eno-terceiro-mundistas” (Brasil incluso) ainda cultivam uma enorme aberração: A confraria.

No Brasil as confrarias foram totalmente desvirtuadas e se transformaram em reuniões semanais, quinzenais ou mensais, nas quais os confrades se reúnem e disputam para ver quem trouxe a garrafa melhor, mais preciosa, mais famosa.

Nas confrarias, “Made in Brazil”, as libações atingem níveis estratosféricos e frequentemente os confrades, no final dos eventos, não conseguem distinguir um Châteauneuf-du-Pape de um insultuoso “Miolo Secreção”.



Viva a juventude que não dá a mínima para antigos e inúteis eno-profetas, não sabe quem foram Parker e seus inúmeros filhotes, mas meus pêsames para as novas gerações que seguem quase cegamente os novos e patéticos “influencers” cujos conhecimentos vinícolas são parecidos com os da Anielle Franco quando a ministra se aventura no “buraco negro”.



Continua.

Dionísio

PS. Na próxima matéria a crise do vinho tinto

segunda-feira, 4 de março de 2024

FELIZ O TEMPO QUE PASSOU....

 


Nos últimos 50 anos nenhuma bebida alcoólica, seja ela cerveja, pinga, whisky, Cognac, rum, vodca etc. foi tão divulgada, endeusada e valorizada quanto o vinho.

Mesmo sem utilizar maciçamente a propaganda clássica: rádio, televisão, jornais, revistas etc. o vinho conseguiu se valorizar de tal forma que hoje é uma das bebidas mais cara do planeta.



BAROLO DOCG 2015 MONFORTINO - CONTERNO GIACOMO

€1,480.00  




O grande divisor de águas ocorreu nos anos 1960 quando surgiram os grandes “Papas das Taças” que em poucos anos transformaram o vinho barato, o vinho do dia-dia, aquele que frequentava todas as mesas espanholas, francesas, italianas, portuguesas etc. na hora do almoço ou jantar, em um “néctar celestial” que devia ser cheirado demoradamente, degustado quase em êxtase, percorrendo  todos os cantos  da boca (paladar, papilas gustativas, dentes etc.) e (recomendável) com os lábios parecendo o clássico ”cu de galinha”.



Eram os anos dos Robert Parker, Luigi Veronelli, Jancis Robinson, James Suckling etc.…. 

Com eles nascia o vinho “moda” e entrava em declínio o vinho do dia-dia.

Vieram pontos, “bicchieri”, estrelas e muitos outros símbolos, todos regiamente comprados e pagos, que transformaram simples garrafas de vinho em artigos de luxo......e que luxo.



A badalação, elitização e sofisticação do produto, resultou em uma impressionante diminuição do consumo per capita.

Para dar uma ideia da queda no consumo, informo que em 1966 o

 italiano bebia 110 litros/ano  e em 2023 o consumo caiu para 27,8

 litros/ano.



É sempre bom lembrar que nos outros países europeus e no resto

 do mundo, o consumo, também, diminuiu consideravelmente.

Seria fácil perceber e concluir, então, que o “vinho moda” não foi uma boa escolha e que setor está passando por uma grave crise.

Nada mais errado: a tremenda alta dos preços compensou e muito, a diminuição do consumo.


O caro seguidor que está comodamente sentado em sua sala de estar, bebendo um cálice de Barolo e lendo a matéria, sabe por acaso, quanto custava o vinho piemontês em 1960?

As vinícolas da época e que ainda hoje permanecem no mercado, Fontanafredda, Borgogno, Marchesi di Barolo etc. etc. etc., vendiam, nos anos 1960, seus Barolo por 350 Liras e Barbaresco por 340 Liras.

A inflação italiana, no período 1960/2024, foi de 2822%

Aplicada a inflação cheguei à conclusão que a garrafa de Barolo deveria custar, hoje, 5,38 Euros e a do Barbaresco 5,13 Euros.

Deveria, mas o Barolo, das três vinícolas elencadas, só pode ser

 levado para casa desembolsando 35/45 Euros o que nos revela um aumento de nada desprezíveis 800%



Deu para perceber o pulo do gato?

O consumo caiu 254%, mas o pessoal compensou a perda da diminuição das vendas com o aumento de 800% nos preços   e continuou enchendo os bolsos

Culpa de Parker e companhia bela?



Sim, mas só em parte ......

Continua.

Dionísio.