Nas matérias anteriores afirmei que se e quando desejo beber
bem, abandono Santa Margherita e corro até Chiavari no “Gran Caffè Defilla”.
Não é exagero nem preconceito, pois, Santa Margherita, pode
ser considerada o cemitério dos enófilos.
Cidade, eminentemente turística, atrai, na primavera e verão,
milhões de visitantes.
A proximidade de Portofino (5 km) e das “Cinque Terre” (40 km), dois dos mais badalados e visitados endereços da
Ligúria, resulta em um constante e crescente fluxo turístico na cidade.
A quase totalidade dos bares, hotéis, restaurantes, boutiques, "focaccerie" etc. ganham tanto dinheiro, durante a temporada que, de novembro até
meados de março, simplesmente fecham as portas.
Nos meses invernais, um cemitério, da “draculina” Transilvânia,
é mais atraente e alegre do que Santa Margherita, mas é justamente na estação
mais fria, livre das hordas dos “mordi e fuggi”, que a cidade mais me agrada.
Os “mordi e fuggi” (morde e foge) são os
turistas que chegam de trem, ônibus, motos, bicicleta etc., invadem as
calçadas, trocam de roupa na praia, comem enormes pedaços de “focaccia”, bebem
Coca Cola litro e, ao entardecer, desaparecem com a mesma rapidez da chegada.
No inverno os preços estrelares voltam à terra firme, mas a
qualidade dos vinhos, presentes na carta dos bares e restaurantes, reflete a
pouca cultura vinícola e a total eno-cegueira de seus proprietários.
Os lígures são famosos, entre outras coisas, pela má educação
e proverbial sovinice.
No quesito “má educação” os lígures somente perdem para os
“valdostani” (habitantes da Val d’Aosta), mas na avareza são os campeões.
Frequento a cidade há décadas e conheço cada bar, restaurante,
loja, supermercado, etc., assim frequento os estabelecimentos onde os bolsos
sofrem menores estupros, mas da medíocre qualidade dos vinhos, servidos em taças,
é difícil escapar.
Alguém argumentará “..... Mas não é uma cidade rica, glamorosa, sofisticada?
”
Sim, mas para beber uma taça de Champagne é preciso
desembolsar, no mínimo, 15 Euros, por uma de Trento, Franciacorta, ou outros espumante
DOC, 9/12 Euros, uma do mais prosaico Prosecco, 5/7 Euros.
Os donos dos bares e restaurantes não fazem nenhum esforço
para oferecer Champagne ou espumante, pois lucram muito mais vendendo Prosecco.
Explicando: um Prosecco custa, no atacado, 3/5 Euros. Uma
garrafa de 750ml serve 6 taças, então, 6 X 5 Euros = 30 Euros = 500% de lucro.
Deu para perceber o porquê de minhas escapadas até Chiavari?
Mas nem tudo está perdido....
Há dois bares que, mesmo não sendo paradisíacos, fogem da
medíocre mesmice que aflige os locais de Santa Margherita: “Piccolo
Bar” e “Sun Flower”.
O “Piccolo Bar”, o mais popular bar da cidade e frequentado apenas por moradores (zero turistas), apresenta uma razoável quantidade de vinhos em taça e por preços bem mais acessíveis do que a maioria dos concorrentes.
Quatro vinhos tintos (4/5 euros), cinco brancos (4/5 euros) e
três espumantes (4/8 Euros), todos de boa qualidade (Prosecco, fora...) podem ser
degustados, tranquilamente, no dehors na praça da prefeitura de Santa
Margherita.
Francesco e Matteo, proprietários do “Piccolo
Bar”, me aliviam de 6 Euros
por uma bela taça dos Trento DOC “Levii” ou “Ferrari”.
Todas as manhãs o “Piccolo Bar” é minha meta predileta para um
bom papo e um bom copo.
O “Sun Flower” é meu endereço
vespertino.
Não procurem gentileza no “Sun Flower”,
pois não a encontrará, mas a “rudeza” lígure é compensada pela ótima carta de
vinhos que Roberto e Andrea, oferecem aos clientes.
Roberto, sommelier e bom pesquisador de raras etiquetas (no Sun Flower é
possível beber até o fabuloso Viña Tondonia),
abre qualquer garrafa de Barolo, Barbaresco, Brunello, Champagne etc. desde que
o enófilo não tenha problemas cardíacos ou bancários.......
No “Sun Flower”, uma taça, do ótimo “Mattia Vezzola Rosè”, um dos
meus Franciacorta vespertinos prediletos, me alivia em módicos 7 Euros.
Em uma bela, fria e chuvosa tarde, Roberto, com sua costumeira
gentileza e simpatia, trovejou: “Hoje você vai beber um desses dois vinhos”.
Roberto com seu 1,80 de altura de 95 kg não é exatamente um
cara fácil de encarar, então…. “Ok....Qual o primeiro?
”
Continua
Bacco