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quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

OS ZÉ MANÉS

 

Quando me “canso”, de Santa Margherita Ligure, pego um trem (há um a cada ½ hora) e em 15 minutos desço bem no centro de Chiavari.

Chiavari, compensa suas limitadas atrações turísticas oferecendo um centro histórico muito interessante, comércio pujante, lojas sofisticadas e uma impressionante quantidade de bares e restaurantes.


Beber e comer bem, em Chiavari, não é problema.... o problema está na escolha.

Como todo “bom copo” e “bom garfo”, fiz minhas seleções descartando bares e restaurantes que somente sabem cobrar (muito) sem oferecer atendimento, qualidade e variedade à altura.

O resultado: após centenas de taças consumida privilegiei dois endereços para beber meus aperitivos matinais: “Piccolo Bar” e “Gran Caffè Defilla”.

Não foi somente a gentileza das garçonetes e os bons preços que determinaram a escolha do “Piccolo Bar”.

 Devo admitir que, além das boas opções de etiquetas de espumantes, o belo visual do mercado de frutas e verduras, com suas barraquinhas coloridas que todos os dias “invadem” a medieval praça Mazzini (linda), foi determinante para minha seleção.

As donas de casas italianas adoram ir ao mercado todos os dias, faça sol, chuva, terremoto, covid etc.

Dois tomates, uma berinjela, três cenouras, duas alcachofras uma maça.... As compras nunca são volumosas, pois se sobrar muita coisa não haverá desculpa para voltar ao mercado no dia seguinte.

 Beber, o primeiro Franciacorta do dia, no “Piccolo Bar” da “Piazza Mazzini” enquanto se aprecia o vaivém das pessoas, no colorido mercado de frutas e verduras de Chiavari, não tem preço, mas a taça de Franciacorta, tem ... 6 Euros.

Bebo a segunda taça do dia sempre no soberbo e tradicional “Gran Caffè Defilla”.

O Defilla, bar, cafeteria, enoteca, sala de chá, restaurante, é uma instituição quase sagrada, não somente de Chiavari, mas de toda a Ligúria e também da Itália. 

O mais que centenário “Defilla” é um verdadeiro paraíso para os enófilos e apreciadores de destilados e licores.


Centenas de garrafas de Cognac, Whisky, Rum, Calvados, Armagnac, Grappa etc. disputam o espaço das prateleiras com mais de 1.000 etiquetas de vinho de todas as partes do mundo, Brasil excluso.

Aliás, antes que eu o “obrigasse” Sergio Rossi, sommelier da casa, a beber uma garrafa de “Fúlvia”, ele nem sabia da existência do quase vinho nacional.

Bebericando uma taça, do sempre ótimo Champagne (8 Euros) “Aubry 1er Cru, ” resolvi “passear” pelas salas do “Defilla” e alegrar os olhos com as ofertas de final de ano.

Meu Mastercard quase enfartou quando meus olhos fixaram uma garrafa de Cognac Remy Martin Louis XIII de 3.185 Euros e somente voltou à normalidade quando reiniciei a “caminhada”.

“Todo Natal é a mesma coisa...Brigo com a Antinori, Frescobaldi, Incisa della Rocchetta, mas seus super-tuscans chegam “pingados” e atrasados”.

Mauro Pietronave, proprietário do “Defilla”, não é exatamente um amigo e nosso relacionamento, apesar de respeitoso e de longa data, nunca foi além de algumas poucas frases e saudações de praxe.

Estranhei, a súbita intimidade, mas dei-lhe corda....


“Senhor Pietronave (na Itália, quando não há intimidade, sempre nos dirigimos ao interlocutor pelo sobrenome), mas ainda há compradores para estes vinhos toscanos, afrancesados e caros? ”

“Em uma população mundial de 8 bilhões não é difícil encontrar 500 mil, ou até um milhão de bebedores ricos, que não entendem nada, mas adoram garrafas caras, premiadas, endeusadas. Tenho uma clientela de estrangeiros, americanos, do leste europeu e chineses que, nos finais de ano, compram todas os Sassicaia, Masseto, Ornellaia etc. que há no estoque”.

Com um sorriso irônico, Mauro continuou: “Os produtores toscanos sabem disso e continuam alimentando o ego, dos consumidores de etiquetas caras, com novas opções. O senhor conhece o Massetino?


Diante de minha resposta negativa, Pietronave retomou o discurso: “O Masseto atingiu preços astronômicos e a Frescobaldi, para conquistar ainda mais clientes, resolveu lançar o “Massetino”. O Massetino não é um Merlot em pureza.... Foi vinificado com a adição de Cabernet Franc. O Massetino é apresentado como segundo vinho do Masseto e custa “apenas” 600 Euros e acredite…. há idiotas que compram”.

Não pense que Pietronave encerrou o assunto....

Antes de retornar à suas tarefas pegou uma caixa de madeira e sentenciou: “A Antinori, também, não brica em serviço e contra-atacou com um Cabernet Franc de 350 Euros: Matarocchio”.

Se há, no mundo, alguns produtores vinícolas, mais vivos, mais oportunistas e que sabem se vender melhor do que os “nobres” toscanos, por favor, me apresentem.... Eu desconheço.

Conseguir, em menos de 40 anos, produzir e vender garrafa de Merlot toscano, por mais de 1.000 Euros, não é tarefa para qualquer Zé Mané.

O grande mérito, dos “nobres” da Toscana, é ter consciência da existência e alimentar a idiotice de Enos-Zé-Manés sempre prontos a abarrotar, ainda mais, seus milionários   cofres.

Continua.

Bacco

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