Já não moro em Alba, mas o fantástico panorama de doces colinas
cobertas por vinhedos sem fim, sua gastronomia e sua gente hospitaleira, justificam minhas frequentes visitas à região.
Um aperitivo, em um dos incontáveis bares do território, onde
é possível beber uma taça e escolher entre centenas de etiquetas, um almoço ou
jantar em um dos 400 restaurantes da região, visitar as vinícolas para comprar,
diretamente do produtor, os ótimos vinhos locais e, finalmente, mas não menos
importante, rever amigos.
Em um dos meus “retornos” resolvi passar na enoteca de meus
velhos conhecido Marco e Carlo (nomes fictícios pois a matéria não é exatamente
cor-de-rosa).
Fui recebido, como de costume, com festa e alegria.... Longos
papos.
Enquanto falávamos de vinhos, nosso assunto predileto, um
cliente entrou na loja.
“Bom dia, gostaria de comprar algumas garrafas de um bom vinho e
barato. Não quero gastar muito...”
Marco, com ar de enfado e compaixão, se aproximou do sujeito e
disparou: “O senhor entrou na loja errada! Aqui vendemos,
somente, vinhos caros”.
O já “ex-cliente”, esbugalhou os olhos, balbuciou algumas
palavras sem nexo, se dirigiu até a porta e saiu quase correndo.
Estupefato, petrificado, com o que acabara de presenciar, não
me contive: “Você
enlouqueceu? É assim que trata os clientes? ”
“Bacco, eu não tenho mais saco, não quero perder meia hora para
vender três garrafas de 20 Euros...Dê uma olhada; você já reparou nas etiquetas
da loja? ”
Frequento a enoteca dos amigos há anos, mas confesso que não me
dei contas das constantes e sutis mutações: Mais de 90% das garrafas expostas ostentavam
etiquetas carimbadas. Etiquetas repletas de pontos parkerianos ou winespectatorianos,
cheias de bicchieri e mais bicchieri Gambero Rosso, incontáveis decimais da
guida dei vini d’Itália e mais um sem-número de outras arapucas editadas especialmente
para enófilos zumbis.
Sassicaia, Masseto, Conterno, Gaja, Ornellaia, Giacosa,
Quintarelli, Dal Forno, Soldera, Biondi-Santi e um monte de outras etiquetas “esfoladoras”, lotavam as prateleiras da loja.
“Vocês não trabalham mais com vinhos “normais”?
“Trabalhamos, somente, com vinhos para turistas russos, chineses,
brasileiros, americanos, japoneses, escandinavos e outros de menor importância ”.
“Mas ninguém procura um vinho original, típico, bom custo benefício?
Uma boa Barbera, um belo Dolcetto, um Nebbiolo....”
“Bacco você está atrasado, desinformado ...jurássico! O turista
não entende de vinho. O turista entende de preço. O turista acha que o vinho só
é bom quando é caro, aliás, quanto mais caro melhor. Você faz ideia de quantas
garrafas de Amarone Riserva Quintarelli, de Masseto, de Monfortino etc., todos
acima DE 500 e Euros, eu despacho todos os meses para o Brasil?
São todos vinhos que não preciso apresentar, argumentar ou
gastar saliva para vender.
O cliente entra, olha, consulta o preço. Se o preço estiver
dentro da média, compra e sai da loja saltitante, “con il culo in fiamme” (com o rabo ardendo), mas extremamente feliz.
Não faço o mínimo esforço e faturo alto”.
Respirei fundo, tentei argumentar alguma coisa: “Mas até em aqui em Alba há tantos idiotas assim? Idiotas
que visitam a terra do Barolo, Barbaresco, Barbera para comprar Sassicaia,
Masseto, Ornellaia...? ”
Carlo, quase paternal continuou... “Aqui,
na minha loja, vinho barato e bom, não vende. Aqui não se vende vinho! Vendemos
preços e etiquetas. Certa vez, já se vão mais de 10 anos, comprei, de um
viticultor amigo, algumas caixas de uma tremenda Barbera que ele produzia.
Vinho perfeito, honesto, bom preço (havia me custado pouco mais de 7 Euros).
Empilhei as caixas no meio da loja, coloquei um cartaz indicando míseros 13
Euros e esperei um tsunami de clientes. Depois de 15 dias não havia vendido uma
garrafa sequer. Retirei a Barbera da loja, esperei um final de semana
prolongado, refiz a mesma pirâmide, bem na porta, e escrevi no cartaz: “SUPER-PROMOÇAO!
BARBERA RESERVA ESPECIAL DE 55 POR 35 EUROS. SÓ HOJE!!!!!!!!” Vendi tudo. O pessoal me perguntava que Barbera era
aquela e eu, sem nenhum pudor, inventava um monte de história. Dizia que a
Barbera era exclusiva, rara, proveniente de um famoso cru, que só em anos
excepcionais era engarrafada. Garantia, até, que na próxima edição da Wine Spectator sairia com 96 pontos.......
Foi a última vez que comprei vinho bom e barato. Os turistas querem comprar símbolos, ícones, status,
não vinhos. Seguem cegamente guias, revistas, pontuações, bicchieri etc. Quanto
mais tonto, mais gasta e eu mais faturo….”
O discurso me arrasou.
Pensativo e perplexo, abracei os amigos e continuei a
caminhada.
Em poucos minutos
alcancei o wine-bar “La Sagrestia”, bem atrás da catedral de Alba.
Ainda não refeito, sentei, ordenei uma taça do ótimo Timorasso Derthona
do Claudio Mariotto (3,5 Euros) e,
já restabelecido, pensei: Se há imbecis que compram terrenos no paraíso é perfeitamente
normal que existam idiotas que compram, em Alba, Amarone, com 16 graus de álcool,
por 450 euros e bebê-lo no Brasil tropical.
Viva os eno-tontos.
Bacco
Sempre peço dicas ao vendedor limitando a indicar o preço máximo que pretendo pagar por garrafa. Tem dado certo...
ResponderExcluirE ai Baccolino.
ResponderExcluirQuanto mais caro melhor? Claro, milhoes de euros ou dolares americanos sao gastos em pesquisas para provar isso. E as empresas que dominam esse conhecimento faturam horrores.
Marco, Alessio e Carlo estao certissimos. Eles conhecem os consumidores que tem e cobram corretamente. Quem cobra preco justo, honesto para turista rico merece ser pobre. Um jegue.
O pipoqueiro ao lado do Itaquerao tambem conhece o publico dele. E um saco de pipoca feita com oleo sebento sai por R$ 1.00. Ele vende 100 sacos por jogo do timao. Cada um tem o cliente que merece e tem que cobrar de acordo com o produto e o cliente que tem.
Os piores clientes sao aqueles ultra conscientes sobre quanto pagam e o que levam. Essa gente representa 10% do negocio e dao lucro baixissimo. So querem mamatinha.
Ainda bem que existem os tontos que pagam R$ 10,000 para fechar a orelha de abano da filha numa operacao de meia hora. Que bom que existem os tontos que compram carros italianos que custam 50% a mais que um carro alemao bem melhor. Ainda bem que existem aqueles que pagam R$ 150.00 por um rodizio mezza bocca numa churrascaria ordinaria na reboucas. Nosso gasto desnecessario e superfluo move a economia. Se todos fossem o Nono Correa estariamos todos pobres e o povao sem emprego.
Ainda bem que tem trouxa que faz turismo no Brasil. Ja pensou todos os hoteis do nordeste fechados, todos restaurantes a mingua, todos aqueles passeios ridiculos e caros de escuna sem cliente? Essa turma invadiria o outros estados atras de emprego e nao haveria ponte para todos.
Andiamo. Avanti. Auguri, bastardi. SDS.
Andiamo e non torniamo....
ResponderExcluirBela matéria!
ResponderExcluirCada vez mais comum esse tipo de coisa! Infelizmente! Acho que a burrice vem aumentando vertiginosamente! As pessoas cada vez mais se parecem mesmo com uns "zumbis" seduzidos por vaidade, marketing e um consumismo doentio... Seu amigo é só mais um, dentro de uma onda crescente de comerciantes, etc.. que estão enchendo os bolsos, sabendo tirar proveito disso..
Eu acho que quem tem bom senso, e gosta realmente de vinhos, e não do status que ele pode proporcionar, já começa rapidamente a pegar um bom traquejo para fugir das inúmeras arapucas.. Já costuma ter em mente o nome de muitos dos bons produtores de cada região com preços justos (felizmente ainda existem), a ponto de, muitas vezes, nem precisar perguntar nada para o vendedor e, sobretudo, se dar "o luxo" de ignorar os famoso$ endeusado$ pela mídia, com seus preços ridiculamente elevados por conta de um vasto e crescente rebanho de idiotas, ávidos para comprar, comprar, comprar e que, inacreditavelmente, acham que pagar o quanto mais caro.... Melhor.
Ainda é possível beber excelentes vinhos, alheio a toda essa palhaçada.. Mas tá ficando cada vez mais difícil!
Um Abraço!
Pô, Bacconildos! Sumiram? Faz tempo que não nos brindam com novos artigos.
ResponderExcluirSalu2
Infelizmente perdi o meu computador em Lisboa na troca da aeronave para Milao. O controle portugues è rigoroso e sem sentido : vc desce de um aviao , nao sai da area de embarque, mas mesmo assim deve abrir a bagagem de mao. Resultado: esqueci meu computador e...... la se foram todas minhas fotos, materias tudo. Ate breve
ExcluirPerder computador é um transtorno enorme! Lamento e espero que voltem logo.
ExcluirSalu2,
Jean
Logo o Chile será Bordeaux:
ResponderExcluirhttp://blog.tribunadonorte.com.br/vinodivinovino/73784
E Brasil sera CHAMPAGNE.
ExcluirRA!
Mas tem gente que acha que já é! hahaha
Excluirô Bacco, nada de achar seu notebook? estamos com saudades dos textos...
ResponderExcluir