Não lembro, exatamente, quando deixei de seguir guias, críticos,
gurus eno-gastronômicos.
Acredito tenha sido um processo lento, mas inexorável, que
culminou com o total desprezo por toda e qualquer indicação eno-gastronômica
que exalasse o mínimo resquício de $$$$.
“Os dez melhores vinhos da Itália”, “Os vinte
melhores vinhos brancos da França”, “O melhor restaurante do Piemonte”, “Melhor
sommelier do mundo”, “10 melhores produtores de Barolo”........
No começo os anúncios, acima, me seduziam, mas com o passar
dos anos bastava ler: 96 pontos, os 10 melhores, o melhor, o estrelado, os 3
bicchieri, fulano recomenda, sicrano aponta, beltrano indica, etc. que
imediatamente procurava outros assuntos.
Havia percebido que tudo e todos eram movidos apenas por $$$$$
e as indicações, pontos, estrelas, “bicchieri” etc., eram tão confiáveis quanto
os conhecimentos eólicos da Dilma Rousseff.
Não escapava ninguém!
Renomados produtores, importadores, críticos, enólogos,
revistas, sommelier etc., todos faturavam alto e todos ficaram (mais) ricos às
custas de enófilos cegos e otários (eu, incluso....).
Eram os anos dos Parker, Suckling, Rolland, Robinson,
Veronelli e outros monstro$ $agrados das taças.
Lembro que, quando Parker & Cia “soltavam” um 90/95 pontos,
corria, feito um Usain Bolt, à procura das etiquetas indicadas pelos deuses das
garrafas.
O “Usain Bolt”, das etiquetas premiadas, um belo dia, depois
de uma longa “corrida à procura do “Barbera la
Spinetta Vigneto Gallina 1997”, efusivamente elogiado por todos
os sommelier, críticos, revistas, sites, etc., cansou e parou de correr.
O Barbera, “Vigneto Gallina”, daquele ano, foi um dos
vinhos mais premiados da Itália, considerada o melhor Barbera em absoluto, assim,
desapareceu rapidamente das enotecas
Era praticamente impossível encontrar uma simples garrafa
Frustrado e resignado,
como todo bom eno-tonto, seguidor dos “Papas” das taças, já havia desistido do
“Gallina” quando, por um (in) feliz acaso, o encontrei em
uma enoteca de Orta San Giulio.
Comprei a garrafa, desembolsando
três ou quatro vezes mais do que custava, à época, um bom Barbera, deixei a
“joia” dos Rivetti descansar alguns dias e finalmente, uma bela tarde, quase trémulo
de emoção e desejo, abri a garrafa e......Uma tremenda
bosta.
Madeira em excesso (lembrava uma serraria), demasiada concentração,
vinho pesado tanto quanto o mais, até, do que o rinoceronte da etiqueta, um
Barbera parkeriano de cor escura, impenetrável, quase preta, “transpirando” muito
enólogo, química, adega, mas nada de vinhas e distante léguas dos verdadeiros
Barbera, frescos, frutados, alegres, fáceis de beber e rei das “piole” (botecos típicos do Piemonte)
Lembro que nem terminei a garrafa e, naquele exato dia, mandei
todos os críticos, sommelier, revistas às favas.
O Barbera Gallina me
fez decidir, finalmente, a prestigiar e seguir meu paladar, nariz, gostos e
desgostos: Queria errar e acertar sem ninguém me monitorar ou sugerir o que,
quando e em qual copo beber.
Finalmente livre, dos ditadore$ das taças, descobri que Gaja,
Giacosa, Conterno, Biondi Santi, Dal Forno, Quintarelli, Romanèe-Conti, Château
Mouton Rothschild, Vega Sicilia & Cia, contumazes “sodomizadores” de enófilos
de todos os cantos do mundo, já haviam ganho milhões e não precisavam mais de
meus tostões.....
Graças ao “Barbera Gallina 1997”, dos (argh) Rivetti, redescobri
e “desenterrei” os tintos, Pelaverga, Gamba di Pernice, Lessona, Ghemme, Fara,
Gattinara, Bramaterra, Carema, Freisa, Doux d’Henry, Grignolino, Chambave,
Schiava, Susumaniello, Ormeasco, Rossese di Dolceacqua, Ruchè, Torgiano,
Sagrantino, Lacrima di Morro d’Alba, Taurasi, Piedirosso, Cannonau, Bardolino, Lambrusco,
e dúzias de outros vinhos que já não recordo.
Pensei “ Finalmente livre! ”
https://www.youtube.com/watch?v=8XavF7iSha8
Estava redondamente enganado....
Os “monstros sagrados”, das décadas de 1970/80/90, caminhavam
lentamente para o “Crepúsculo dos Deuses” (grande Billy Wilder),
levando nas malas muita grana, mas, também e infelizmente, charme, elegância,
sofisticação e conhecimentos.
No campo de batalha, os vencidos, pelos anos e pelas redes
sociais, deixavam um imenso campo aberto que foi tomado, rapidamente, por um “brancaleónico” exército de sommelier, críticos e “influencers”,
arrivistas picaretas, etc.
O exército mais ridículo e despreparado da história....
O exército do “segundo
melhor espumante do mundo”
Começava, no Brasil, a era da “BANALIZAÇÃO”
Continua
Bacco