Facebook


Pesquisar no blog

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

A HORA E A VEZ DO DOLCETTO

 


Nas matérias anteriores informamos como, nos anos 1970/1990, não era difícil criar vinho-moda e convencer os eno-palermas que, apesar dos preços, muitas vezes estrelares, as garrafas valiam o que custavam.

Eno-Idiotice absoluta!



Eno-Idiotice, todavia, que transformou muitíssimos anônimos viticultores em, quase, estelas hollywoodianas.

Em poucas décadas, alguns espertos vinhateiros, passaram de vendedores de vinhos a granel a milionários empreendedores vinícolas. 

Alguns nomes italianos?

Gaja, Conterno, Quintarelli, Giacosa, Biondi Santi, Benanti, Roagna, Dal Forno, Della Rocchetta, Ceretto etc.



Os nomes elencados são de vinícolas milionárias, da Bota, mas em todos os países há produtores que se especializaram em assaltar os bolsos dos eno-palermas e até no Brasil, Maranhão do mundo vinícola, pasmem, há muitas empresas picaretas que cobram verdadeiras fortunas por vinhos banais.

Alguns exemplos:

Miolo = “Sesmaria” de R$ 900

Lidio Carraro = “Amphorae” de R$ 730

Geisse = “Terroir Nature” de R$ 630

Casa Valduga = “Maria Valduga” de R$ 569

Luiz Agenta = La Cave Merlot uvas desidratadas R$ 1,600 (quem comprou concorre à “Medalha de Ouro Eno-Palerma 2025 -2026-2027-2050....)



Vinícolas brasileiras, anunciando seus quase vinhos por preços de Grand Crus franceses, são claros  exemplos que os eno-retardados não conhecem fronteiras e, muito menos, vinho....

Sorte nossa que milhares de pequenos, médios e verdadeiros viticultores, continuam produzindo ótimos vinhos por preços humanos.

Voltemos, agora, ao Dolcetto e sua à via crucis que o marcou nas últimas décadas

Um dos melhores tintos do Piemonte e Ligúria, sim, leu bem... Ligúria, pois, para quem não sabe, ou seja, 99,99% dos nossos influencers, críticos, sommeliers youtubers etc. é bem provável, que o Dolcetto tenha migrado, das aldeias lígures, da "Valle Arroscia",  onde é conhecido como “ORMEASCO”, para o vizinho Monferrato e em seguida, em todo o território piemontês.



No Piemonte, o Dolcetto, encontrou seu melhor “habitat”, progrediu, se transformou no segundo vinho mais popular da região e esteve sempre presente nos bares, restaurantes e taças, de então.

Mas, “La Dolce Vita” do Dolcetto começou a amargar quando apareceram os vinhos parkerianos.



Os viticultores não demoraram muito para perceber que o Dolcetto era muito menos rentável do que os vinhos da nova moda e, aos poucos, foram relegando a casta a um segundo e até terceiro plano.

Um dos problemas do “Dolcetto” está no próprio nome que sugere um vinho doce.

Longe de ser doce, o Dolcetto é um vinho tinto, seco, de médio corpo, que pode envelhecer moderadamente, mas exalta suas melhores qualidades quando bebido jovem.

A uva “Dolcetto”, quando madura, é muito doce e os piemonteses, em sua língua nativa, a conheciam como “Dosset”, (docinho, no dialeto piemontês)



Outro grande problema, do Dolcetto, tem origem no exigente trabalho em vinha (requer mais cuidado até do que o muito mais rentável, economicamente, Nebbiolo) e continua em sua complicada vinificação.

A forte tanicidade e a grande quantidade de grainhas, se não bem administradas, podem “amargar’ o vinho

 Como já não bastasse, o problema com os taninos, a vinificação do Dolcetto exige muitíssimos cuidados na gestão do processo fermentativo e constante atenção com a oxigenação para evitar o problema da redução e maus cheiros.



É fácil perceber, então, o porquê do Dolcetto perder terreno para os novos vinhos-moda e a razão de seu inexorável declínio.

Os produtores alarmados, com a perda de mercado, tentaram uma saída: Parkerizar o Dolcetto!

Talvez tenha sido a mais desastrosas das decisões na história do Dolcetto.

Dolcetto, barricado, impenetrável, muito alcoólico etc. afugentou o que restava dos fieis consumidores.





Em 1999, a “Slow Food” promoveu mais uma edição do “Cheese” (feira para conhecer e degustar os grandes queijos do mundo) em vários restaurantes em Alba e arredores.

Cada restaurante deveria criar um menu especial, tendo o queijo como principal protagonista e escolher um vinho para acompanhar.

 Escolhi jantar, em La Morra, no então famoso, restaurante “Belvedere” que escolhera o Dolcetto como vinho da ceia.

Desastre total!

Já não lembro quais os produtores, mas recordo que todos os Dolcetto servidos eram parkerizados (nenhum abaixo de 14º e alguns declaravam, até, 15º), difíceis de beber, impenetráveis..... deploráveis.





Resultado 1): O Dolcetto, ao tentar percorrer caminhos “inovadores”, amargou uma enorme perda de consumo, assim, os viticultores não hesitaram em erradicar grande parte dos vinhedos substituindo-os pelo Nebbiolo casta muito mais comercial e rentável.

 Resultado 2): Perdeu 70% do mercado e apesar de patéticas e ridícula tentativas, não conseguiu, encontrar um Giacomo Bologna para elevá-lo ao Olimpo dos vinhos e reconquistar o paraíso e os bolsos dos eno-palermas.



Resultado 3): Após anos e anos de purgatório vinícola e quase esquecimento, finalmente, com a decadência dos vinhos parkerianos, surge uma nova tendência, liderada pelos jovens consumidores, que exige vinhos com baixa gradação alcoólica, mais fáceis de beber e mais acessíveis ao bolso



 É a hora e a vez do Dolcetto que ressurge, “purificado”, com seus 12º/12,5º, sua bela e brilhante cor rubi, fresco, frutado e ......barato.





Quando passar pelo Piemonte não deixe de provar alguns ótimos Dolcetto todos abaixo de 12 Euros



Poderi Colla “Pian Balbo - Domenico Clerico “Visadi” – Bricco Mollea “Assanen” (do meu amigo Massimo Martinelli) – Renato Ratti “Colombè” Castello di Tagliolo “Dolcetto Ovada”



Há muitos outros, mas creio que a relação já convença, os eno-palermas, que se pode beber bem sem fazer chorar o cartão de credito.



Vinhos piemonteses, baratos que recomendo, quando possível, degustar: Carema, Grignolino, Freisa, Avanà, Fara, Lessona, Bramaterra, Gavi, Ghemme, Doux d’ Henry (cultivado em apenas 9 hectares), Verduno Pelaverga, Rossese Bianco, Timorasso, Gamba di Pernice (Calosso DOC), Erbaluce di Caluso......

Cin Cin

Bacco


segunda-feira, 24 de novembro de 2025

VINHO MODA 4

 


A matéria poderia ser intitulada: “Como Criar um Vinho Moda e Enganar Palermas”, mais deixemos para mais tarde....

Com o “Bricco dell’ Ucellone”, nascia, em 1982, um Barbera parkeriano destinado a se tornar uma icônica e caríssima etiqueta cuja história comprova como é fácil aliviar as carteiras dos eno-palermas de plantão.



Vamos continuar com a fábula do Bricco dell’Uccellone e deixemos o “primo pobre” Dolcetto para mais tarde.

Em 1938, Giacomo Bologna, nasce em Rocchetta Tanaro, pequena aldeia circundada por vinhas de Barbera por todos os lados

Descendente de viticultores, Bologna, herda a vinícola da família e resolve dinamizá-la, modernizá-la e assim, em 1961, nascia “Braida di Giacomo Bologna”.



Giacomo, era um viticultor visionário, um ótimo comerciante e não se conformava com o preço do Barbera que, naqueles anos, era vendido por aproximadamente 800/1.000 Liras o litro (0,52 centavos de Euro).

 Mas o que fazer para valorizar o Barbera e elevar seu preço?

Conta a lenda, que, em 1978, durante uma viagem aos Estados Unidos, na companhia de Luigi Veronelli (sempre ele), Bologna, ao beber um Barbera parkeriano-barricado, olhou para Veronelli e exclamou: “Este é o Barbera que vou produzir”.




Ao voltar, para Rocchetta Tanaro, resolveu ir a Beaune e realizar um curso para aprender como utilizar a barrique.

Após a experiência francesa voltou para sua aldeia e, em 1982, nascia a primeiro Barbera parkeriano-veronelliano: Bricco dell’ Uccellone.

Como todas as lendas, a de Giacomo, é rica em fantasias e pobre em verdades.



Bologna, foi aos Estados Unidos não para degustar os vinhos locais, mas para pesquisar o importante mercado americano, conhecer o gosto dos consumidores e “fabricar” um vinho que agradasse ao paladar dos amigos do norte.

 Ao beber o Barbera, barricado à moda “Parker”, percebeu qual seria o vinho para conquistar o mercado americano e resolveu produzi-lo em Rocchetta Tanaro.



Bologna, para doar um pouco mais de credibilidade, à lenda do “Bricco dell” Uccellone”, viajou até Beaune, para fazer um curso e aprender como usar a barrique.

Não lembro quantas vezes visitei Beaune, mas posso assegurara que foram muitas e, naquela cidade, nunca ouvi falar em “curso de barrique” e digo mais: os viticultores da Borgonha não revelam, nem sob tortura medieval, os segredos de como usam a madeira em suas adegas.



O mais provável, logico e crível, é que Bologna foi a Beaune para comprar algumas barrique para “parkerizar” seu sonhado Barbera.

Em 1982, finalmente, estreia a primeira safra do “Bricco dell’ Uccellone e 9.800 garrafas, do Barbera barricado de Bologna, chegam ao mercado custando 4.800 Liras (cada).

É sempre bom lembrar que, naqueles anos, uma garrafa de Barbera normal, comum, custava Liras 3.000 (1,55 Euros) e as mais renomadas atingiam Liras 7.000 (3,62 Euros)



O Bricco dell’ Ucellone com suas 4.800 Liras (2,48 Euros) se apresentava, então, como “Barbera faixa média”.

O salto, para escapar dos preços baixos, já acontecera, mas Giacomo sonhava mais alto e o elevador, para subir e conseguir mais $$$$, tinha um nome: Luigi Veronelli.

Veronelli, abusando de sua grande e ilibada fama, de melhor critico eno-gastronômico da Itália, só não escreveu que o Bricco dell’ Uccelllone era tão, maravilhoso, incomparável, divino, que parecia ter sido vinificado, no Olimpo, pelo próprio Baco.



Alguns dos elogios, utilizados por Veronelli para descrever o Bricco dell’ Uccellone: Altíssima qualidade, excepcional, maravilhoso, definitivo, extraordinário, fascinante, ótimo investimento, incrível potencial de envelhecimento etc.

Com toda esta “mise em scène” não é difícil imaginar o que motivou a disparada dos preços do “Bricco dell’ Uccellone”

Giacomo Bologna, em suas memórias, escreveu, que, em 1990, ao passar por uma enoteca, viu na vitrine seu Barbera sendo oferecido por, nada modestas, 48.000 Liras (24,80 Euros).

Quanto Veronelli levou, não sei, mas sei que, para Giacomo Bologna o “investimento” valeu a pena...... 

Braida - Bricco dell' Uccellone 2021 - Barbera d'Asti DOCG - 75cl

 BRAIDA
 Nuovo
 C352ref49116
58,50 €



Uma garrafa de Barbera, que em 1982 custava 4.800 Liras (2,48 Euros), menos de uma década depois valia 48.000 Liras (24,80 Euros) e hoje só entrega seus “veronellianos” encantos por 55/60 Euros teve uma caminhada de róseo sucesso.

Os herdeiros de Giacomo Bologna (ele se foi em 1990) não conseguem controlar o riso ao ver os eno-palermas pagando 55/60 Euros por uma garrafa que lhes custa, quando muito 4/6 Euros.



Exagero meu?

Confira, na tabela abaixo, quanto custa 1 Kg de uva Barbera e aproveito para informar, que 1.2/1,5 Kg de uva são mais que suficientes para produzir uma garrafa vinho de 0,75 L.

 

Prezzi delle uve - anno 2024

 

PREZZI DELLE UVE - ANNO 2024

Medie dei prezzi delle uve da vino D.O.C.G. e D.O.C. 
Stagione vendemmiale 2024

 

UVE DA VINO DOC 

prezzo al kg

Minimo

Massimo

Barbera per vino “Barbera d’Alba”

€ 1,00

€ 1,34

Barbera per vino “Barbera d’Alba Superiore”

€ 1,29

€ 1,51

Dolcetto per vino “Dolcetto d’Alba”

€ 1,03

€ 1,22

Nebbiolo per vino “Nebbiolo d'Alba”

€ 1,06

€ 1,30

Nebbiolo per vino “Langhe Nebbiolo”

€ 1,12

€ 1,50

Arneis per vino “Langhe Arneis”

€ 1,18 

€ 1,31

Chardonnay per vino “Langhe Chardonnay”

€ 0,93

€ 1,14 

Langhe Rosso

€ 0,86

€ 1,00

Langhe Favorita

€ 1,17

€ 1,30

 

 (a Barbera D' Asti tem o mesmo custo)

Some-se, à matéria prima, vidro, capsula, etiqueta, rolha etc., mas o preço final, do Bricco dell’ Uccellone, não supera os 4/6 Euros.

Ignaros, mas atraídos pelo brilho do “Vinho Moda”, os eno-palermas continuam enchendo o bolso (havia pensado em outro substantivo, mas me contive …)  para a felicidade dos herdeiros de Giacomo Bologna;

Informo, também, que a produção atual do Barbera Bricco dell’Uccellone ultrapassa as 55.000 unidades.

Você dificilmente verá, nos bares ou restaurantes, italianos bebendo Bricco dell’ Ucellone.



Os eno-palermas, que querem aparecer no instagram, bebendo e fotografando vinhos-moda, são os turistas americanos, ingleses, russos, chineses, brasileiros etc.

Os italianos normais, comuns, que não são eno-palermas, bebem, entre outros,



Barbera Superiore “I Tre Vescovi”, da Cantina Sociale Vinchio – Vaglio Serra de 8/9 Euros.


Continua

Bacco

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

VINHOS DA MODA 3

 


Se os Parker e Veronelli da vida (fácil?), fossem apenas “culpados” de iludir, com seus pontos, medalhas, taças, estrelas e outras picaretagens do gênero, os incontáveis eno-trouxas espalhados pelo mundo, não haveria problema algum, mas com a ascensão, por eles promovida, dos vinho-moda, muitas castas, tradicionais, populares, baratas, deixaram de ser vinificadas e várias delas até erradicadas.



Os ricos e nobres toscanos, de Bolgheri, apesar do sucesso comercial de seus vinhos “franceses”, não relegaram as castas locais ao ostracismo, até porque possuíam propriedades em todo o território e não era interessante, nem inteligente, deixar de produzir Brunello di Montalcino, Chianti, Nobile di Montepulciano, Vernaccia di San Giminiano etc.



A eno-picaretagem do Sassicaia já foi abordada várias vezes no blog e quem desejar recordar basta acessar os links abaixo.

 https://baccoebocca-us.blogspot.com/2023/05/bolgheri-2.html


https://baccoebocca-us.blogspot.com/2014/03/bolgheri-vive-la-france.html


No Piemonte a história foi muito mais complexa e dolorosa

A irrefreável ascensão do Barolo e Barbaresco provocou uma verdadeira revolução na viticultura piemontesa e, apesar das rígidas diretrizes legais, impostas pelos consórcios das duas dominações (sempre há um jeitinho..), viu aumentar, sensivelmente, o cultivo das uvas Nebbiolo e a consequente diminuição da área das castas menos rentáveis e não adaptas à vinificação parkeriana.



Alguns dados: em 1980, a área de vinhedos, da DOCG Barolo, era pouco mais de1.200 hectares e atualmente ultrapassa os 2.200 hectares.

Na contramão, do sucesso do Barolo e Barbaresco, o Barbera, Dolcetto, Freisa, Grignolino, tradicionais vinhos que sempre alegraram as taças piemontesas, sem esvaziar bolsos e carteiras dos enófilos, amargaram uma triste e irrefreável decadência.



 Pouquíssimos saudosistas (eu sou um deles) ainda bebem Freisa e Grignolino e o capenga Dolcetto luta, bravamente, para recuperar mercado (será?).

O Barbera, ainda bem, continua presente nas prateleiras dos supermercados e enotecas, mas sem o vigor nem importâncias dos anos 1990.

Um conselho: quando passear pela bota não deixe de provar uma ótima Freisa di Chieri e um sensacional Grignolino d’Asti.



Tenho certeza que, já no primeiro ou segundo gole, mandará Parker, Veronelli e Cia. à merda.....

Mas por que o Barbera e somente o Barbera, conseguiu escapar da quase total decadência de seus primos pobres piemonteses?



Algumas razoes: Vinificação mais fácil, casta mais difusa na região (Barbera cobre 30% do território vinícola do Piemonte) uma genial e muito bem bolada, jogada de marketing da dupla Giacomo Bologna e Luigi Veronelli que, nos anos 1980, inventaram um fenômeno comercial que até hoje faz sucesso entre os eno-patetas-abonados:  “Bricco dell ’Ucellone”.

Continua....