Quando leio as matérias em que Bacco comenta vinhos tenho a
impressão de ter, desde sempre, conhecido as garrafas que ele descreve.
Histórias de viticultores, fatos engraçados, castas raras e desconhecidas,
detalhes geográficos, pouca firula e muito conteúdo, enorme quantidade de
informações preciosas, revelam conhecimentos que são transmitidos, com simplicidade,
ao leitor.
Quando, por outro lado, acompanho as patéticas e repetitivas
descrições de nossos críticos e “sommerdiers” tenho a nítida impressão que eles
não conhecem nada daquilo e são apenas oportunistas e caras de pau.
Milhares de degustações, quase sempre de meia dúzia de castas (o que seria dos nossos críticos
se não pudessem comentar o Cabernet Sauvignon e o Merlot...), pontos, notas,
descrições falsamente técnicas, impessoais e envernizadas com uma leve camada
de discutível conhecimento, são as armas de nossos “experts” para iludir um
exército de incautos enófilos.
As degustações de nossos profi$$ionai$, quase sempre
direcionadas e dirigidas por importadores ou produtores gaúchos, raramente são
isentas,úteis e verdadeiras.
Pergunta: Para que degustações e comentários
de 5, 6, 7 mil garrafas por ano?
Há tamanha memória para armazenar esta imensa quantidade de informações?
Não!
Há apenas o subterfúgio de sempre: Uma ou duas dezenas de
palavras rebuscados e difíceis, definições complexas, confusas e irreais.
Estas são as armas usadas pelos “sommerdiers” para impressionar
os incautos seguidores.
Uma pausa para narrar um fato ocorrido há alguns anos.
Um amigo jornalista me confessou, certa vez, que precisou
substituir um colega que redigia o horóscopo num jornal de grande circulação.
Apavorado com a ideia tentou em vão fugir da tarefa.
Declarou-se incapaz,
relutou com todas suas forças, mas acabou aceitando após obter a promessa que
em menos de 15 dias outro profissional assumiria a coluna.
Resultado: Meu amigo redigiu horóscopos durante dois anos.
Nos primeiros dias inventou o que pode sobre amor, dinheiro,
felicidade, viagens, sucesso etc., mas seu repertório de mentirinhas estava se
esgotando rapidamente.
Sem saber o que fazer pediu ajuda ao seu antecessor.
“Eu consultava o horóscopo de dois ou três anos anteriores,
transformava Áries em Balança, Peixes em Câncer, Capricórnio em Sagitário, às
vezes misturava tudo e depois escolhia um signo ao acaso e mandava bala.... Ninguém
jamais reclamou”.
Meu amigo havia descoberto o caminho das pedras.
Aos poucos foi se aperfeiçoando de tal forma que, após alguns meses,
começos a receber muitíssimas cartas de leitores elogiando o acerto de suas
previsões.
Nossos críticos fazem exatamente o mesmo.
Raros são os que conhecem realmente os vinhos que julgam e
recomendam e a quantidade de garrafas que declaram ter provado serve apenas
para impressionar o eno-tontos de plantão.
Frutas vermelhas, flores brancas, compotas, framboesa, balsâmico,
mirtilos (mirtilos
impressionam, sempre), cassis (ninguém conhece,
por isso mesmo não pode faltar) groselha, morango, pêssego,
manteiga, banana, etc. já foram palavras muito usadas; eram “in”, mas agora são
“out”.
Fuja!
As modernas, as que atualmente impressionam, são:
Harmônico: Vinho harmônico sempre impressiona muito. Use e
abuse.
Taninos: Os taninos são imprescindíveis e devem sempre ser
acompanhados por adjetivos (firmes, maduros, redondos, domados, soberbos.....).
Mineralidade: A
mineralidade é a definição mais “fashion” do momento e não pode, absolutamente,
faltar em nenhuma descrição.
Complexidade: Grande
palavra! Complexidade é tão complexamente vaga que deixa no ar um mar de interpretações.
Veja, por exemplo, esta belíssima picaretagem descritiva
reunindo todas as palavras “fashion”: “Taninos maduros,
domados, redondos, soberbos acompanham uma mineralidade complexa, persistente
que parece infinita. Uma rara harmonia completa este estupendo vinho......”.
Viu como é fácil?
Viu como se faz uma “DEGUSTAÇÃO HORÓSCOPO”?
Se você agregar algumas mágicas palavras já poderá se
considerar um profissional “ENO-HORÓSCOPO”
Palavras mágicas: Fumê, estrebaria, orgânico, biodinâmico, chocolate,
musgo, terroso, tostado, pimenta, trufa, fruto de bosque, cogumelo, acácia,
levedura, empireumático (importantíssima) etc.
Conseguido organizar as palavras, acima, terá material para 200,
ou mais, “DEGUSTAÇÕES HORÓSCOPO”.
O melhor “sommerdier” do Brasil, eleito por meia dúzia de
abonados clientes do Fasano, Gero, Paris, aquele que se parece com o Tropeço da
família Adams, exagerou na dose de picaretagem e caiu no ridículo quando
encontrou “Aroma
de peixe de rio e ouriço do mar” em uma taça de vinho.
O “sommerdier” inteligente e “horoscopeiro”, assim, escreveria:
“Um vinho brilhante, harmônico, complexo cuja
salinidade nos remete às praias ensolaradas do Mediterrâneo à sua flora e fauna
únicas...”.
“Pegue as palavras que escrevi, coloque no liquidificador
mental, bata bem e em alguns minutos você será, também, um craque em
DEGUSTAÇÕES HORÓSCOPO”.
Dionísio
Dionísio