Nunca dei muita bola para os tintos da Côte de Beaune, em contrapartida,
sempre e solenemente, desprezei os brancos da Côte de Nuits.
Puro preconceito, especialmente, com os tintos da Côte de
Beaune.
Sei que há ótimos vinhos tintos em Pommard, Aloxe-Corton, Santenay,
Volnay, Savigny-lès-Beaune etc., mas minhas preferências, nesta região (Côte de
Beaune), sempre foram os excepcionais brancos ali produzidos.
Há, todavia e sempre, um momento ou um fato que nos obriga a
repensar e mudar conceitos.
Os amigos, que ainda conseguem me acompanhar, já perceberam
que eu não dou notas, pontos e nem me aprofundo em analises técnicas.
Há um motivo: Eu gosto de narrar o vinho.
Para mim o vinho tem
que ter uma historinha, uma narrativa, onde eu possa transmitir, ao leitor, como
encontrei, quem indicou, onde bebi , se gostei , se odiei e quanto paguei esta
ou aquela garrafa.
Não consigo imaginar alguém degustando 5.000, 6.000,7. 000,
12.0000 vinhos e depois comentá-los (como consegue lembrar....), julgá-los e pontuá-los usando uma escala de 1 a 100.
Considero que a quantidade excessiva seja inútil,
desnecessária e a pontuação uma palhaçada.
Vinho deve ter história!
Vamos à nossa historinha.
Em minha última passagem pela Borgonha, em companhia de meu
filho, como de costume me hospedei no B&B da amiga Maria Adão.
Maria, elétrica e sorridente portuguesa, radicada ha décadas
em Puligny-Montrachet, é uma das minhas fontes de informação na região.
Certo dia, no café da manhã, comentei que meu filho queria
comprar algumas garrafas de Bâtard-Montrachet, mas não estava conseguindo encontrar
um produtor que não o esfolasse.
"Tenho uma amiga,
também portuguesa, casada com o produtor Ramonet de Chassagne. Ela sempre me
vende algumas garrafas por preços razoáveis. Vou telefonar e mais tarde lhe
falo se consegui o Bâtard por um bom preço".
Maria nunca falha!
Quando voltei, no final da tarde, Maria me entregou duas
garrafas de Bâtard por um preço mais que razoável.
"Não consegui mais,
mas minha amiga prometeu que na próxima safra vai vender quatro. Ela mandou
esta garrafa de tinto para você saber que não ha só brancos em Chassagne".
Já escrevi, mas sempre é bom lembrar: Antes dos anos 1980, 80%%, dos 316
hectares dos vinhedos de Chassagne-Montrachet, eram de Pinot Noir.
Os viticultores perceberam que os brancos, das vizinhas
Puligny e Meursault, vendiam mais e alcançavam preços muito mais altos do que
os tintos de Chassagne.
Não tiveram duvidas: Extirparam as parreiras de Pinot Noir e
plantaram Chardonnay.
Hoje as vinhas de Pinot Noir cobrem menos de 50% do
território.
Confesso que raríssimas vezes provei os tintos de Chassagne e
nunca me passou pela cabeça comprar uma única garrafa de Pinot Noir de
Chassagne.
Sou um enófilo tonto e preconceituoso.
A garrafa, presenteada, permaneceu, quase dois meses,
esquecida em minha adega de Santa Margherita.
Semana passada, dia frio, chuvoso, tipicamente outonal, pedia
um tinto.
Abri o pequeno móvel, que eu chamo "adega" e vi o Chassagne-Montrachet
Premier Cru "Morgeot" 2012 que pedia para ser aberto.
Naquela ocasião não desejava beber nada importante.
Não desejava um Barolo, Barbaresco, Brunello, Taurasi.....
queria um vinho jovem, simples e fácil de beber.
Se mais delongas abri o Chassagne-Montrachet Premier Cru "Morgeot".
Como sempre faço, quase
mecanicamente, levei a taça ao nariz e...
Juro que quase caí sentado.
Eu desejava um vinho simples, fácil de beber, jovem, mas o
Chassagne-Montrachet, que estava em minha taça, não era nada disso.
O Chassagne Montrachet Premier Cru "Morgeot" 2012 exalava
aromas impressionantes, importantes, de grande complexidade e, longe de ser um
vinho simples e fácil de beber, se apresentava como um grande vinho.
Aquele Chassagne-Montrachet era um dos melhores
Pinot Noir já provados nos últimos tempos.
Se o Chassagne-Montrachet havia surpreendido meu nariz, na
boca fez a festa e venceu minhas últimas resistências: Já não podia considerar
os tintos da Côte de Beaune inferiores aos primos da vizinha Côte de Nuits.
Quem acompanha minhas críticas sabe perfeitamente que não
exagero nos elogios quando encontro um vinho excepcional.
O Pinot Noir, dos Ramonet, é um vinho excepcional e que nada
deve aos premiados Grands Crus da vizinha Côte de Nuits.
Quem não acreditar , quando tiver a oportunidade de conseguir
algumas garrafas , prove o Chassagne-Montrachet "Morgeot" e
depois me escreva.
Mais algumas considerações.....
Não vou escrever que
encontrei "frutas
negras, compota de ameixas, framboesas, mirtilos, taninos domados e redondos, longa
persistência" e outras bobagens, mas desejo salientar duas
coisas:
1ª Bebendo, já com o devido respeito, o Chassagne-Montrachet Premier Cru
"Morgeot" 2012, mais uma vez constatei
o quanto os franceses são mestres no bom uso da barrique.
Enquanto os americanos, italianos, portugueses, chilenos, argentinos,
australianos etc., quando usam a barrique, produzem madeira suco de madeira que
chamam de vinho, os franceses, vinificando com a barrique, produzem vinhos com
gosto de vinho.
Os franceses usam a madeira, sim, mas com tamanha maestria e
inteligência que seus vinhos adquirem elegância e classe inigualáveis sem que a
madeira seja agressivamente percebida.
Os inimitáveis
"vignerons" gauleses deixam, para os pobres imitadores, a eterna
frustração da incompetência.
2ª Fui bebendo, o Chassagne-Montrachet Premier Cru "Morgeot" 2012, ao
longo de vários dias.
Em nenhum momento o vinho deu sinais de "cansaço", oxidação
e não perdeu nenhuma de suas principais características.
No quinto e ultimo dia, bebendo o derradeiro copo, me deu uma
vontade louca de botar o carro na estrada e rumar até Chassagne-Montrachet.
Não deu ,mas......
Bacco