"Olha, esqueci de lhe avisar que aqui não há vinho, só
cerveja".
O saco, que já estava cheio, com o programa de índio para o
qual fora "convidado", estourou de vez.
O convite: Aniversário, de
um sobrinho-neto (5 anos), em uma fazenda no município de Corumbá de Goiás.
O telefonema me alcançou quando transitava pela charmosa,
calma e bucólica Águas Lindas (212 homicídios em2013).
Onde encontrar uma garrafa de vinho, decente, em Águas Lindas?
Já estava resignado, com a "obrigação" de ter que beber
o meu segundo copo de cerveja em 2015, quando avistei um supermercado à beira
da rodovia: "Tatico".
Tatico (José Fuscaldi Cesílio), para quem não sabe ou não
lembra ,era deputado, foi cassado e, desde 1975, acumula mais processos que
cabelos...
Sem muitas esperanças resolvi verificar se no estabelecimento
haveria um vinho decente e, assim, gastar meu dinheiro para ajudar o Tatico no
pagamento de seus advogados.
Horror dos horrores!
Mioranza, Catafesta, Dom Bosco, Del Grano, Goes, Sinuelo e outras
delícias nacionais me desafiavam ameaçadoras do alto de uma gôndola.
Apavorado, com a seleção de indecências, já estava batendo em
retirada quando, aleluia, percebi algumas garrafas diferentes.
Troquei de óculos e sorri.
Cercadas por
insultuosas etiquetas nacionais, empoeiradas garrafas de Chardonnay
2011 "Cosecha Tarapacá" eram oferecidas por R$ 25,80.
Sem pensar, nem mais um segundo, comprei uma unidade do vinho
chileno e saí correndo com receio de engordar, ainda mais, as estatísticas de
violência da aprazível Águas Lindas.
Já notaram que nos churrascos
familiares a cerveja é a rainha absoluta até você abrir uma garrafa de vinho?
Já percebeu o fenômeno, né......
Na chegada, os cumprimentos alegres de sempre, algumas piadas
mais velhas dos que andar pra frente, um barulho infernal e..... "cervejinha geladinha" à vontade.
Com calma, disfarçando um pouco, coloquei o "Cosecha Tarapacá" no gelo e
fiquei de olho.
Os cervejeiros (todos) se aproximavam para reabastecer seus
copos de plástico com "a loirinha geladinha", pegavam o
vinho, liam o rótulo, giravam duas ou três vezes a garrafa ainda arrolhada e recolocavam
no gelo.
Deixei o "Cosecha"
dez minutos esfriando e saí à procura do maior copo de plástico daquele
churrasco.
Finalmente encontrei.
Era gigantesco , horrendo e com a
logomarca da Coca-Cola.
Com decisão abri a garrafa de Chardonnay, derramei mais de
metade do conteúdo no vasilhame plástico e fique à espreita.
Os cervejeiros chegavam
de mansinho, olhavam de soslaio, desconfiados e, quando julgavam não atrair olhares
indiscretos ,entornavam o vinho em seus copos com resíduos de espuma.
Em três minutos a garrafa de "Chardonnay 2011 "Cosecha Tarapacá" estava mais
seca do que o cerrado brasiliense em agosto.
Sem grandes ilusões, instintivamente, levei a "taça"
ao nariz e quase tive um ataque cardíaco: O vinho exalava aromas incríveis!
Apesar do cheiro de carne queimada que impregnava o ar, do
odor de cerveja barata e do copo de plástico, o vinho, da Tarapacá, não se dava
por vencido e acariciava minhas narinas.
Sem poder apreciar com o devido respeito, percebi, porém, que
estava bebendo um Chardonnay nada banal .
Os decibéis da musica, sempre mais elevados, enviavam claros
sinais que o churrasco terminaria somente quando a ultima lata de cerveja fosse
sacrificada.
Aproveitando um descuido do anfitrião, que pela milésima vez
visitava o banheiro, corri para o carro e somente parei na porta do
"Tatico" de Águas Lindas.
Quase correndo alcancei a prateleira de vinhos, coloquei todas
as garrafas de "Chardonnay Cosecha Tarapacá"
no carrinho, paguei e retomei a estrada.
A pequena história do churrasco acaba aqui, mas a do "Cosecha Tarapacá" começa agora...
Deixei as garrafas repousando alguns dias e, uma bela tarde,
resolvi provar, com calma, o Chardonnay chileno.
Taça de cristal, temperatura certa , pedaços de queijo e
torradas para acompanhar.....o clima perfeito
.
Não sou especialista em vinhos chilenos.
Meu repertório é limitado, mas Chardonnay já bebi inúmeros e
posso assegurar que, se não soubesse a origem, juraria que na taça havia um
belo vinho da Borgonha e mais especificamente, um Meursault .
Intensa cor dourada com reflexos esverdeados.
Notas amanteigadas facilmente percebíveis, mas sem excessos.
Em seguida, após a manteiga,
apareciam avelãs tostadas e, finalmente, cítricos tomavam de assalto o nariz.
Na boca as mesmas notas amanteigadas e cítricas dominavam, mas concediam
espaço para um surpreendente frescor e notável acidez que garantiria vários anos,
ainda, para aquele "Cosecha
Tarapacá 2011"
Um único porém: pouca persistência na boca (final curto)
Não creio seja possível comprar um Chardonnay melhor por R$
25,80.
Se alguém encontrar , compre correndo, prove e, se puder, comente.
Dionísio