Quando resolvi conhecer e “desvendar” o mundo do vinho segui a
trilha que todos conhecem, mas nem todos percorrem: Beber, ler, viajar.
É preciso lembrar que a “escola do vinho” não é barata, fácil,
banal.
Para frequentá-la é preciso ter boa disponibilidade
financeira, tempo e...... fígado.
Frequentar cursos, degustações, palestras, ler blogs, ouvir
palestras de sommelier ou formadores de opinião, ler revistas etc., quase nunca
é o suficiente, ideal, definitivo.
É um começo, um input, mas raramente se alcança real e sólido conhecimento
sendo guiado como ovelha e confiando cegamente na opinião dos outros: em um
determinado momento o cordão umbilical deve ser cortado para, assim, encontrar
o próprio caminho.
Parker, Wine Spectator, Jancis Robinson, Gambero Rosso, James
Suckling etc. são importantes, sim e devem ser respeitados, seguidos, mas até
certo ponto.
As ridículas “copias” nacionais, dos acimas mencionados, devem
ser evitadas sempre que possível: Em sua esmagadora maioria carecem de
seriedade, preparo, além de servirem, como lacaios, às importadoras e
produtores de vinho.
Vários anos de aprendizagem, centenas de taças alçadas, outras
tantas garrafas esvaziadas e igual número de rolhas depois, continuar idolatrando
revistas, críticos, formadores de opinião, sommeliers etc. é confissão de total
insegurança e proverbial preguiça.
A minha “independência” ocorreu há mais de 30 anos.
Três episódios foram
determinantes para me libertar das “correntes” da comodidade, do “prato pronto”
das revistas, dos críticos, dos formadores de opinião etc.
O primeiro ocorreu durante uma degustação na ABS de Brasília
(sim tenho vergonha em admitir, mas já a frequentei).
O sommelier palestrante, ao comandar uma degustação de Merlot,
Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc, nacionais (sim tenho vergonha, mas devo
confessar que já os degustei) resolveu atender minha solicitação e identifica-los
às cegas.
Resultado: Errou os três......
Não voltei nunca mais à ABS Brasília.
O segundo episódio frustrante ocorreu na Itália e tem como atriz
principal uma premiadíssima Barbera “Gallina” La Spinetta.
Quase todas as revistas italianas glorificavam, aclamavam e
elegiam a Barbera do rinoceronte como a melhor da Bota.
Curiosidade aguçada, desejo de provar a “rainha” das Barbera e
a esperança de poder exibi-la como troféu, parti como um foguete à procura da
icônica garrafa.
“Infelizmente
acabou”, “Já esgotou”, “Estou esperando uma nova remessa, mas todas as garrafas
já estão reservadas....”
Desisti!
Um belo dia, em uma “wine-bar-enoteca”, na belíssima Orta San
Giulio, às margens do homônimo lago, ordenei uma taça de Erbaluce “La Rustia”.
A primeira taça aplacou a sede, “ma non troppo…” e, como de
costume, pedi um reforço.
A Erbaluce fez efeito e me dirigi ao banheiro.
Para alcançar a casa de banho (viva Portugal!) foi necessário atravessar
uma pequena, mas bem fornida enoteca.
Uma olhada obrigatória, para verificar os preços das garrafas expostas,
quase todas da região (Gattinara, Boca, Ghemme, Erbaluce, Lessona etc.).
No meio do mar das etiquetas locais o que encontro?
Uma garrafa da premiadíssima
Barbera “Gallina”
La Spinetta.
Feliz, como criança que acabou de ganhar a primeira bicicleta, não dei a mínima para o preço vitaminado (era mais cara do que um bom Barolo) sequei a taça de Erbaluce, paguei e corri para o carro: não via a hora de chegar em casa e provar aquela estrondosa, insuperável, fantástica, maravilhosa, soberba etc. etc. etc. Barbera, idolatrada pelas revistas especializadas, críticos e sommeliers.
Taça de cristal, três “grissini”, um copo com água..... no dia
seguinte e após o necessário ritual, estava apto a degustar fabulosa, sensacional,
formidável, assombrosa etc. etc. etc. Barbera da La Spinetta.
Já a cor me surpreendeu.
Aquela Barbera não possuía a característica e belíssima cor
rubi da casta.
A “Gallina” se apresentava quase negra, impenetrável e que me fez
lembrar a tinta da minha caneta Spalding.
A decepção da cor não arrefeceu meu entusiasmo e levei a taça
ao nariz.
Juro que tive a impressão de ter entrado em um bosque de
eucaliptos após um dia chuvoso: Notas balsâmicas por todos lados atingiram mias
vias nasais e quase me transformaram em um koala.
Na boca mais e mais desastres.
O balsâmico, apesar da luta, foi subjugado pela madeira.
Madeira para ninguém botar defeito: o “Gallina” dava a impressão
de ter sido vinificado em uma serraria.
O álcool?
É bom nem lembrar: Não recordo exatamente a gradação, mas
tenho a certeza que superava folgadamente os 14º.
A “Gallina”, endeusado pelos critico$ e revi$ta$, nada tinha da
Barbera D’Alba, a Barbera dos perfumes floreais, taninos presentes, mas não agressivos,
incrível acidez e sua “piemontesidade”, aquela era uma “marmelada” produzida
especialmente para agradar aos parkerianos, ao mercado internacional e aos que
de Barbera nada entendem: uma tremenda-bosta e uma tremenda-bosta cara.
A Barbera “Gallina”
foi a segunda pá de cal que joguei na cova dos formadores de opinião.
Segue
Bacco.