Nunca entendi a quase cega confiança que a maior parte dos
enófilos dedica aos formadores de opinião, críticos, revistas especializadas,
gurus internacionais, propagandas (pagas) etc.
Há clara vontade de acreditar em tudo e todos e um irresistível
desejo de rendição ao comportamento “rebanho”.
É fácil, cômodo ......mas frustrante.
Resolvi, pela enésima vez, escrever sobre o assunto para me
contrapor à avalanche de falsas informações que nos últimos meses assaltou as
taças dos enófilos brasileiros.
Não vou rememorar a imensa maré de estultices, picaretagens e
pilantragens com as quais se tentou transformar os apreciadores de vinho do Brasil
em idiotas lobotomizados, mas pelo menos uma é digna de nota
A última e mais emblemática picaretagem, divulgada pela mídia especializada,
é aquela em que se alardeia o sucesso de um espumante nacional por ter ganho a
costumeira “merdalha” de ouro em um dos inúmeros concur$os picaretas espalhados
pelo mundo.
Nas duas matérias anteriores tentei mostrar como somos bombardeados
com pontos, garfos, taças, cachos, estrelas e outras safadezas que visam apenas
aumentar a procura e consequentemente os preços das garrafas elogiadas.
A maior picaretagem, que recordo e que deveria ter sepultado a
maior parte das revistas, gurus, formadores de opinião, expert, etc. ocorreu em
2008 e ficou conhecida, na Itália, como “Brunellopoli”.
“Brunellopoli” foi, para
mim, um marco: Nunca mais confiei em pontos, cachos, estrelas, ou outra bobagem
qualquer e resolvi seguir meu paladar, meu olfato e ......minha carteira.
Com o passar dos anos ninguém mais recorda a tremenda
picaretagem à italiana que abalou as vendas e fama do Brunello di Montalcino.
Mas voltemos um pouco no tempo e recordar o que se passou.
Um dos meus wine-bar prediletos, de Rapallo, até 2010, era a
“Enoteca Cantine d’Italia (aumentou exageradamente os preços e já não a
frequento).
Todas as manhãs, antes do almoço, pedia ao proprietário e
amigo, Fausto, uma taça de espumante, Champanhe ou vinho branco.
Fausto, que já conhecia muito bem meus gostos, todos os dias
tentava me surpreender com suas ótimas escolhas.
Foi assim que durante alguns
anos pude conhecer e degustar grandes e ótimos vinhos.
Uma bela manhã encontrei Fausto atarefado em remarcar, para cima,
garrafas e mais garrafas de Brunello.
Na Itália, normalmente, as garrafas das prateleiras são remarcadas
para baixo (quando há promoções) e é raríssimo que ocorra o contrário
Intrigado, perguntei o porquê.
Fausto respondeu: “Você não leu a nova Wine Spectator? O Casanova di
Neri ganhou 100 pontos e foi considerado o melhor vinho do mundo”
Fausto, sem pudor algum, estava aumentado os preços, do “Tenuta Nuova” 2001, em nada módicos 50%.
A possibilidade de provar o “melhor vinho do mundo” despertou
minha curiosidade e revelei meu desejo a Fausto que gentilmente me cedeu uma
garrafa pelo preço anterior ao aumento.
Com a mesma curiosidade e expectativa, que a Barbera da “La
Spinetta” me havia provocado, deixei descansar o Brunello e aguardei alguns
dias
Com a devida pompa e finalmente, após uma semana, abri a
garrafa do Brunello di Montalcino “Casanova di
Neri”.
O Brunello não decepcionou como ocorrera com a Barbera “La Spinetta”, mas, para mim, aquela
garrafa estava milhas de distância de ser o “melhor vinho do mundo” e, para
dizer a verdade, nem pareceu ser o melhor Brunello di Montalcino.
O “Tenuta Nuova”, em minha opinião, perdia em qualidade,
característica, interpretação do território etc. ao “Baricci”,
“Pietroso”, “Canalicchio”, “Sasso di Sole” que, por sinal,
custavam um terço do preço.
Depois daquela experiência e nas inúmeras vezes em que visitei
Montalcino, sempre mantive segura distância dos Brunello da “Casanova di Neri”.....
Onde quero chegar?
Alguém ainda recorda o escândalo que, em 2012, manchou a
reputação e fama do Brunello di Montalcino?
Alguém lembra o nome dos produtores (famosíssimos) que durantes
anos falsificaram milhares de garrafas adicionando, ao Sangiovese Grosso, uvas não
permitidas pelo disciplinar (Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah …)?
Pois bem, entres os picaretas, que produziam “Cabernello di Montalcino”, constava a
vinícola “Casanova di Neri”, a mesma que a Wine Spectator consagrara como
produtora do “melhor
vinho do mundo” em 2006.
Picaretagem de altíssimo nível .......
Considerações finais.
Acreditar cegamente em revistas, críticos, “gurus”, formadores
de opinião etc. e quase sempre uma tremenda roubada onde o roubado é sempre o
enoloide-ovelha que segue, sem nunca contestar, duvidar, raciocinar, pontos,
estrelas, taças, cachos de uva, ou outro ícone qualquer que invariavelmente
promove e classifica os vinhos na mesma proporção dos $$$$$ recebidos.
O mais incrível é que, apesar de todas as barbaridades
cometidas, revistas, experts, gurus, críticos, sommeliers, degustadores etc.
continuam sendo seguidos, prestigiados, respeitados.
Se há picaretagens inomináveis, no “primeiro-mundo-vinícola”,
imagine a qualidade e seriedade de informação que Didu Bilu “natureba” Teteia,
Beato “…aberração de tão bom” Salu, Rebola “eterno perdedor de concurso”,
Marcelinho “ ...melhor tinto do mundo: Undurraga Chardonnay”, e outros, que
orbitam ao redor do saco dos produtores e importadores, podem nos oferecer.
Você riu?
Deveria chorar.....
Bacco