Há alguns anos observo e acompanho o comportamento gastador,
ostensivo e irracional dos diferentes eno-turistas que frequentam bares,
enotecas e restaurantes na Itália.
Os brasileiros, desde sempre, ocupam as primeiras posições, no
quesito “se é
caro é bom”, ao lado dos americanos, japoneses, russos, chineses.
Na disputa acirradas, pelos primeiros lugares na “Corrida dos
Enoloides”, já não encontro, com a mesma frequência, americanos japoneses
e chineses, abrindo garrafas de 4 ou 5 digitos.
Os cowboys e os orientais já entenderam que há muita mais
malandragem do que qualidade nas exageradamente caras garrafas badaladas e
deixaram para suas mulheres a tarefa de gastar os tubos com sapatos e bolsas de
griffe, nem sempre de bom gosto, mas de bom gasto.
Os brasileiros?
Os brasileiros perderam para os russos o 1º lugar de enófilos
mais despreparados e gastadores do planeta, mas continuam, impávidos,
disputando um lugar de destaque no pódio.
É fácil reconhecer russos e brasileiros nos bares e
restaurantes: Os russos são gigantescos, bebem, se não tiver nada melhor, até
água sanitária, e sempre acompanhados por mulheres bonitas.
Os brasileiros fazem questão de perpetuar o estereótipo que os
obriga a serem, alegres, otimistas, risonhos (os italianos acham que somos o
povo mais alegre do mundo.....Não conhecem o interior do Maranhão)
Nossos patrícios,
muitas vezes, extrapolam e acabam sendo apenas inoportunos, chatos e
barulhentos: Juntou meia dúzia de “brazucas” é, quase sempre, zona total.
Ser brasileiro é preciso!
No dia 6 de outubro visitei Alba por ocasião da “89ª Fiera del
Tatufo”.
Costumo realizar meus passeios e caça às trufas sempre na
primeira semana do evento para evitar a impressionante aglomeração de turistas
que literalmente toma de assalto Alba e território adjacente.
Hotéis, restaurantes e bares elevam os preços, o atendimento
piora muito e encontrar uma mesa, para almoçar no domingo, é tarefa para o Tom
Cruise em “Missão Impossível”.
A amizade, que ainda me une ao Maurilio, facilitou uma mesa no
“La Ciau del
Tornavento”.
Casa cheia, turistas de todos os cantos do globo.
Maurilio sorridente,
faturando e flutuando, de mesa em mesa..... Típico almoço no “La Ciau” nos dias
da feira do tartufo.
Duas grandes mesas redondas e vazias, a poucos metros da
minha, esperavam os clientes.
Já estava terminado o aperitivo, um belo espumante “Alta
Langa” Ettore Germano, que recomendo, quando a primeira mesa foi invadida por 4
casais de russos.
De cara, 2 garrafas de Don Perignon que em menos de 5 minutos
estavam mais secas do que o Atacama.
Em seguida os garçons deram início ao festival de “Tartufo
Bianco”, que os russos, religiosamente, adicionam até ao sorvete.
Para acompanhar os
pratos, um tsunami de garrafas de Barolo Gaja invadiu a mesa.
Não pude contar quantas garrafas foram abertas, mas
seguramente mais de 4.
Quando já pensava em deixar o convívio dos “Balalaikas”, seis
brasileiros entraram triunfantes, risonhos e barulhentos no “La Ciau”.
Rindo alto e
gesticulando muito, era fácil perceber que algumas generosas libações já haviam
molhado as poderosas gargantas.
A mesa redonda, ao lado
dos russos, esperava nossos patrícios que, sem muita cerimônia, se esparramaram
por ela
Enquanto os “Molotov” já haviam alcançado uma conta de 4
zeros, ralando trufas e mais trufas e abrindo Gaja e mais Gaja, os brasileiros consultavam
a enorme carta de vinhos.
Algumas dúvidas, uma
rápida votação e a decisão.
Chamaram Luca, o competente
e paciente sommelier da casa, estufaram o peito e orgulhosamente ordenaram um......
Tignanello.
Os russos são ridículos, em sua ostentação, mas pedir em Treiso,
no “La Ciau del Tornavento”, um Tignanello é o fim da picada.
Treiso é uma das quatro cidades que fazem parte da DOCG
“Barbaresco”
As outras três são: Barbaresco e Neive e alguns poucos
hectares em Alba.
Sentados em uma mesa do estrelado “La Ciau”, cercados por
vinhas de uva Nebbiolo que doam um dos melhores vinhos do planeta, os 6
palermas pedem um toscano Tignanello.
Não esperei a conta e fui diretamente liquidar minha fatura na escrivaninha do Maurilio.
Enquanto dirigia meu carro, tentando alcançar a vinícola de Giovanni Manzone e comprar algumas
garrafas, fiquei imaginando a cara da sommelier, do estrelado “Le Montrachet”, em Puligny-Montrachet,
caso 6 palermas brasileiros lhe ordenassem uma garrafa de Sancerre.
Eu os mandaria à merda!
Bacco.