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segunda-feira, 28 de julho de 2014

A FREISA



Um amigo de B&B, almoçando em Milão, bebeu uma Freisa Kyè da vinícola Vajra .

O leitor, que de bobo não tem nada, gostou do vinho e postou um comentário querendo saber algo mais sobre a casta piemontesa que, por sinal, é pouco conhecida na própria Itália.
 
 

Poderia descrever a Freisa como fazem 99,78% dos eno-bloguieros nacionais: Sem nunca ter bebido uma taça sequer de Freisa acessam a web, copiam, em seus blogs, as informações que todos podem encontrar e posam de supremos conhecedores.

Se fosse, eu, mais um eno-picareta, poderia tranquilamente percorrer o mesmo fácil caminho, copiaria todas as informações e poderia, também, passar como grande conhecedor de vinhos.

Picaretagem não é nossa praia.
 

Ao sermos tachados, pelo Nilson e alguns de seus comparsas gaúchos, de mentirosos e desonestos, devemos sempre ter cuidado, não enveredar pelos caminhos fáceis percorridos por Camila Camomila, Gladson Salame, Didu Bilu Teteia, Luciana “Moby Dick” Freire e tantos outros sommerdiers que escrevem um monte de idiotices.

Os palhaços, acimas mencionados, estranhamente, nunca foram considerados desonestos ou mentirosos pelo Nilson e por nenhum produtor nacional.

Falar da Freisa enche meu coração de alegria.

A Freisa está presente, na minha vida e na minha memória, desde a infância: Foi a primeira e única uva que esmaguei, com os pés.

Esta matéria será dividida em duas etapas para não cansar o leitor.

A primeira parte tratará das minhas lembranças de infância e a segunda abordará a uva e o vinho “Freisa” na sua história, seu passado, futuro, qualidades, vinificação etc.

 MINHA FREISA

Nem todos sabem que, no final dos anos 50, ainda menino, morei com meus avôs no Piemonte.

Os velhos (para mim, naqueles anos quem tinha mais de 40 anos já era velho), eram proprietários de um bar e restaurante em uma aldeia da planície Padana.

A planície Padana é aquela longa faixa de terra, cortada pelo rio Po, que se estende desde os Alpes até o mar Adriático, na proximidade de Veneza, onde o rio deságua.
 

As aldeias da região, circundadas por imenso espelhos d’agua, que serviam para o plantio de arroz, sofriam, no verão, com constantes nuvens de pernilongos que, materializadas, emergiam das aguas e atormentavam, sistematicamente e sem piedade, os moradores até o início do outono.

Quando os insetos abandonavam a região, e os moradores festejavam seu desaparecimento, uma neblina espessa e intransponível substituía os pernilongos e cobria as aldeias como um manto cinzento e silencioso.
 

Não sei se deu para perceber que a “Pianura Padana” não era (continua não sendo), uma das regiões mais alegres e belas da Itália.

Nos dias atuais a monotonia é mais facilmente suportável: Há televisão, internet, facilidade de locomoção…A modernidade amenizou a tristeza.

Nos anos 50 e 60 a televisão engatinhava, o cinema abria aos sábados e domingos, raros bailes.... O bar era a único e machista ponto de encontro e diversão.

Sim, somente os homens os frequentavam.
 

As mulheres permaneciam, em casa rezando e pedindo aos céus que seus maridos voltassem sãos e salvos e, “missão impossível”, sem trocar as pernas.

Na pequena aldeia dos meus avós (3.500 habitantes) 14 bares disputavam os clientes.

Para agradar e conquistar fregueses era preciso ter boa comida e bons vinhos.

Minha avó na cozinha e meu avô no bar eram dois craques.

Do fogão de dona Maria saiam pratos simples, mas fieis à tradição gastronômica local: Bagna Caoda, Carne Crua, Peixe em Carpione, Paniscia, Agnolotti, Escargots com Ervas, Cotechino, Salame della Duja, Vitello Tonnato, Acciughe al Bagnet e uma infinidade de pratos que justificavam a fama das panelas da minha avó.
 

Para acompanhar os condimentados pratos?

Nada melhor e mais apropriado do que os vinhos da casa.

Era aí que entrava em cena o velho Giovanni!

Nos bares, somente quatro vinhos: Barbera, Dolcetto, Freisa e Grignolino, servidos, sempre, nos frascos de 0,250 ml ,0,500 ml e de um litro.
 

Não havia garrafas etiquetadas, nunca.

Quando o cliente não especificava o vinho, a Barbera, rainha absoluta das “Osterie”, era servida automaticamente.

Dolcetto, Freisa e Grignolino, somente quando o pedido era explícito.

Meu avô, como todos os outros concorrentes, comprava os vinhos, já vinificados e prontos, em “damigiane” (garrafões de 54 litros) e ia servido em garrafas.

Quando o estoque atingia o nível mínimo, o velho Giovanni, com seu caminhãozinho, ia até a casa do viticultor para buscar outras damigiane.

Sempre o mesmo produtor, sempre a mesma qualidade

A qualidade era importante: Imagine quão difícil seria conquistar um cliente piemontês oferecendo uma Barbera de baixa qualidade......

Somente uma uva, meu avô, vinificava: FREISA.

Nos últimos dias de setembro o velho Giovanni, subia as colinas do vizinho Monferrato, visitava seus fornecedores tradicionais e comprava os vinhos.

O último viticultor merecia uma visita mais demorada.

 Meu avô percorrias as vinhas de Freisa, verificava a maturação dos cachos, escolhia os filares, encomendava as uvas e, no final do ritual, marcava o dia da entrega.

Não havia falhas: No dia combinado as uvas eram entregues no nosso quintal.
 

Meu avô, eu nunca soube o porquê, teimava em vinificar a Freisa e somente a Freisa

Imediatamente após a entrega, as uvas eram pisadas (eu era um dos “pisadores”) e em seguida o velho Giovanni começava a vinificar sua famosa Freisa.

Famosa, sim!
 
Quem ia, nas noites cinzentas e frias, ao bar La Bocciofila” para jogar cartas com os amigos, comer uma anchova al bagnet ou fumar um “Toscano”, aos berros, para poder ser ouvido naquela tremenda balburdia, invariavelmente, pedia: “Nino, n’autra mesa buta ad Freisa!” (Outra meia garrafa de Freisa)

Bacco



16 comentários:

  1. é... senhor ``sabido``, ri com teus comentários acima e tals, mas não tem como depreciar que os blogUES NACIONAIS quando INFORMAM sobre uma uva NAO podem e, SIM acho que DEVEM buscar a informação seja ela em que fonte estiver, sem ter mesmo esse seu conhecimento ``intimo e comovente``!
    Veja o BEBUM DUARTE, ele não o fez em uma série sobre uvas? Nao tem aqui cultura nenhuma de vinho a priori, para os caras que chama de `picaretas` contarem do jeito que aqui você deseja que contem: com emoção e a vivência meu caro!

    Por isso mesmo eu hoje não vou escorregar nenhuma lágrima sob a sua emocionante histórinha viu? tá muito enjoadinho você...

    O que esperar dos enoblogueiros no país do café? da cachaça? da CamilaCamomila que só no outro dia pela primeira vez havia pisado em um terroir e da Góes ainda? e só faltando dizer em seu post que vinho de garrafão é o que há?! e, precisa você ter compaixão das experiências alheias, meu caro, é isso aí!Deixe-os informar...

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  2. Belíssimo texto! Aguardo a segunda parte.
    Salu2,
    Jean

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  3. Caro Anônimo sem lagrimas, não sou contra que procurar informação ,eu também a procuro, mas sou contra quem a copia pura e simplesmente. Quem descreve um vinho , uma casta , uma denominação etc. precisa conhecer o que descreve, caso contrario é , sim , um picareta. Mais uma coisa : Todos os vinhos comentados em B&B foram degustados em seus locais de origem. Para se falar de Barbera é preciso , conhecer o Piemonte. Para falar de Puligny Montrachet e preciso conhecer a Borgonha. Para falar de Chianti é preciso conhecer a Toscana .....e por aí vai. A Camila , coitada , conhece apenas a camomila.

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    1. Camila, hoje conhece mais do que a horta de camomila! ela deve muito ao IBRAVIN que a convidou para explorar o ``país RS``, e assim, nos dando menos uma alegria de vê -la não contida em seu ego proliferar que ela... deixa pra lá, essa história já esta velha...
      Mas, IBRAVIN só faz cacacá mesmo.

      SANTE!

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  4. Respostas
    1. ...parece que é OI, está mais redondo do que nunca!

      AnonimusLivre.

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  5. Eu so amassei barro no olaria do meu avo no interior de SP. Inveja.

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  6. Só uma coisa: Tem gente que acredita até em Wikipedia, citando como se fosse uma fonte segura. Coisa de iniciante.

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  7. Nao sei como alguem do seu nivel cultural tem paciencia para ler as asneiras que sao escritas pelos salames e camomilas ai fora.

    Os sommerdiers em grande parte dos restaurantes nacionais refletem bem o nivel de conhecimento dos consumidores e vice-versa. E sinto que esse ciclo nao tem fim.

    Em suprema maioria ambos jamais viram um parreiral. Me acusaram uma vez de querer confundir ou complicar coisas afinal quem tinha que entender de uva e parreiras sao enologos enquanto que sommerdiers deveriam focar no servico, no atendimento, na escolha do vinho, disseram me. Ate hoje discordo disso.

    Os blogueiros sao um caso para psiquiatra. Gente de baixa autoestima que no mangue etilico que eh o vinho nacional se destacam entre os iguais e assim conseguem uma pequena injecao de serotonina quando notam que 20 pessoas leram o post. Basta dizer qualquer besteira desde que seja positiva sobre uma vinicola ou vinho e comecam a vender patrocinio para importadores desesperados.

    Ou entao acham os aromas mais absurdos e incompativeis entre si. Como era o caso do falecido Salame que soube que existiu gracas a voces, pestes.

    Alem de anao diplomatico, eu acrescento um pais eno-anao,




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  8. Adorei a entrevista do sommelier do ano no Jô Soares dias atrás.

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  9. Bacco de um lado, Parker do outro ; O americano abomina vinho de freisa.

    Vou marcar ponto positivo p Bacco no caderno.

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  10. lindo texto, Bacco. adoro quando você evoca suas memórias dessas experiências. mas por favor, não esquece de fechar as séries de textos ainda em aberto, como a da sua ida à Vinidamare

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  11. Parker odeia, ma non troppo. Na descrição do Mondaccione VdT Freisa 2003 no site da Mistral dizem, and I quote "Mondaccione é o melhor Freisa do Piemonte para Robert Parker. (...) Para Parker, é uma grande pedida para quem procura algo novo e diferente, capaz de envelhecer por mais de 10 anos." (???)

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  12. Grande Bacco!!
    Excelente texto. Já havia adorado o vinho e considerado que a sommelier do Al Pont de Ferr havia acertado em cheio quando pedi "algo diferente do Piemonte que não fossem Barolos e Barbarescos" (nada contra, pelo contrário, mas com eles já tinha tido um bom contato). Agora, com seu belo texto, vejo que ela realmente sabia o que estava fazendo.
    Na espera pela segunda parte.
    Abraço

    Eduardo

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