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sábado, 15 de fevereiro de 2014

ANTI-TERROIR II


 


Quando resolvi escrever a matéria “Anti-Terroir”, para demonstrar como é fácil avacalhar um terroir, optei pela Toscana, mas poderia ter me dirigido para a Sicília, Portugal, Piemonte, Espanha ou qualquer outro canto do planeta que o resultado seria o mesmo.

A escolha recaiu sobre a terra de Dante por duas válidas razões: Conheço bem a região e é difícil encontrar outro local onde o “Anti-Terroir” tenha sido tão bem executado.

Não esperava porém as críticas que imediatamente surgiram nos comentários.

Vejam:

1.    Ah seus pestes, estao censurando comentarios, que feio.

Eu ja cansei da busca sem fim pelo vinho de terroir, perfeito como a natureza o fez. Que venham os supertoscanos com 18 uvas francesas dentro desde que sejam honestamente feitos.

Tem tempranillo na toscana gostoso (caro para oscaralho) tambem.

Nao daria para ficarmos somente nas uvas dos etruscos.

Acho que tem tanta bomba de laboratorio por ai que se o vinho for bem feito, com um minimo de "mao do homem", ja esta bom.





Bacco,
Entendo sua preocupação com a internacionalização dos vinhos toscanos (mesmo que muitos deles sejam de excelente qualidade). No próximo artigo, por favor, cite o nome de alguns vinhos de produtores que você considera que ainda mantêm a tradição, e que podem ser encontrados no Brasil.
Salu2,

Os dois comentários devem ser respondidos imediatamente.

1)           Não censuramos comentários de ninguém, talvez o amigo tenha escrito algo para o Eno-E-Ventos e trocou as bolas.

2)         A matéria: Anti-Terroir, não quer encontrar ou sugerir o “terroir perfeito” quer apenas demonstrar que um terroir pode ser violentado, sepultado e esquecido.

3)         Não afirmei que os vinhos toscanos são de baixa qualidade.

4)         Cansei de procurar Chianti tradicionais com preço justo. Prefiro beber Brunello.

5)         Pequenos produtores não exportam para o Brasil. Os importadores nacionais preferem grandes nomes, marcas famosas, etiquetas caríssimos ou vinhos deploráveis, vagabundos e baratos.
 

Voltemos ao “Anti-Terroir” ....

Antes de jogar pedra em B&B, alguém já se perguntou porque castas francesas foram adotadas em países vinícolas como Espanha, Itália, Portugal onde há milhares de uvas autóctones à disposição dos viticultores locais?

A presença do Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay, Syrah, Viogner, Sauvignon, Pinot Noir etc., nos Estados Unidos, Argentina, Austrália, Chile, Nova Zelândia, África do Sul etc., é   compreensível:  Estas nações não dispõem de castas próprias e o “afrancesamento” vinícola é perfeitamente justificável, mas, puxa vida, Chardonnay no Piemonte, Cabernet Sauvignon na Toscana, Merlot na Sicília...... Pra quê?

O Chianti, por exemplo, possui uma história de terroir antiga, bonita, rara.

 B&B vai tentar demonstrar que a ganância e o imediatismo, especialmente por parte das grandes indústrias do vinho, quase desfiguraram irremediavelmente este terroir.

 

No território, do atual “Chianti Classico”, já existiam vinhas durante a dominação Etrusca e Romana, mas foi somente na Idade Média que a viticultura da região começou a conquistar uma identidade cultural e histórica (olha aí o Terroir…) que mais tarde revelou ao mundo um dos tesouros da Toscana: Um território de extraordinária beleza e de rara vocação vinícola onde o “Chianti Classico” é, desde sempre, a principal atração.

Tamanha é a importância, conseguida pelo Chianti, que em 1716 Cosimo III, Grão-Duque de Florença, emitiu um documento demarcando uma área de 70.000 hectares para a produção do vinho.

Nascia, em 1716, o precursor (ou um dos) das DOC italianas.

É preciso salientar que os 70.000 hectares, de então, correspondem, grosso modo, à atual área de plantio.

O grande salto do “Chianti Classico” foi idealizado e executado por Bettino Ricasoli.
 

O Barão Bettino Ricasoli, em 1872, “inventou” o “Chianti Classico”!

Falemos algo do grande Ricasoli.

Bettino Ricasoli, também conhecido como “Barão de Ferro”, foi o segundo Primeiro Ministro da neorrepública italiana sucedendo ao falecido Conde Camillo Benso di Cavour.

Sua rígida conduta ética, inflexibilidade e as más relações com a igreja foram obstáculos insuperáveis para uma   longa vida política do Barão Ricasoli.

O Barão retornou, então, para o castelo da família em Brolio, nas proximidades de Gaiole in Chianti, para se dedicar à produção de vinho, sua grande paixão desde a juventude.

Ao contrário de outros nobres toscanos, que viviam em Florença e que em suas propriedades agrícolas apenas passavam férias e as usavam para caçar, os Ricasoli moravam no castelo de Brolio e sempre cultivaram vocação rural.
 

É bom salientar que os Ricasoli, já em 1600, exportavam grandes quantidades de Chianti para Amsterdam e para os nobreza inglesa (há notícias de produção de vinho, pelos Ricasoli, desde 1114)

Bettino, grande e inteligente viticultor, de volta às origens, resolveu pesquisar o território, vinhas, técnicas de vinificação para encontrar um vinho que “pudesse viajar sem grandes problemas” e competir com os franceses, indiscutíveis donos do mercado.

O barão, em 1872, após quase 30 anos de pesquisa e experimentos, encontrou e fixou a fórmula do “Chianti Classico” e a revelou em uma famosa carta enviada ao Prof. Cesare Studiati da Universidade de Pisa:

“..... Confirmando os resultados obtidos já nas primeiras experiências, que o vinho recebe do Sangiovese a maior parte de seu aroma (meu primeiro e principal foco) e justa sensação de vigor; do Canaiolo a amabilidade que mitiga a dureza do primeiro, sem diminuir seu perfume por também o possuir; a Malvasia, da qual se pode abdicar nos vinhos de guarda, tende a diluir o produto das duas primeiras uvas, acrescenta sabor e maior leveza…”
 

O Barão de Ferro em 1872 realizou o “Chianti Classico” com a seguinte proporção de uvas:

70% de Sangiovese

20% de Canaiolo

10% de Malvasia (ou Trebbiano).

Através de Bettino Ricasoli e a partir do século XIX, o “Chianti Classico” conquistou prestígio, fama, prêmios e entrou, definitivamente, para a história da enogastronomia mundial.

Na próxima matéria: O fantasma do Barão Bettino Ricasoli se revolta, muda da Toscana e vai para Bordeaux......
 

Fontes:

Taccuinistorici

 Corriere dela Sera

Barone Ricasoli
PS. Vinho não tem pontuação, vinho tem história

7 comentários:

  1. Pestes: sou eu, o ''amigo'' citado no comentario 1.

    Vale o debate e a amizade continua a mesma. Objetivo aqui continua aprendizado, imagino. Ou entao passatempo. Viagens de graca, pode falar com o Bozo em Brasilia. Acho que era bozo o nome do cidadao. B&B&D paga tudo.

    Chianti puro, do bom, 'e uma delicia, mas quantas pessoas no mundo sabem como usufruir um? Com o que combinar, quantas horas de ar precisa o vinho antes que se revele em plenitude?

    Imagino que um dos motivos para a bordelizacao dos toscanos (UM dos motivos, ha outros) seria o de deixa-los mais prontos para consumo. Tira a rolha e pum, toma.

    Algo que ocorre hoje no mundo todo. Nem todos tem o tempo livre que voces tem para esperar 5 horas para tomar um vinho.

    E outra, infelizmente no nosso mundo (nao o de voces) nao ha espaco para mondovino, para pequenos produtores que produzem 4 mil garrafas e tiram leite da vaca de manha, amassam trigo e fazem pao. Longe de defender vinho industrial (olhem na vinitaly aqueles stands monstros de industrias enormes), mas o modelo de vida e producao que voces idealizam nao pode existir. Vinicolas tem que ter escala, produzir em quantidade suficiente para poder exportar, vender internamente, comprar tudo com bons precos, pagar impostos e gerar empregos diretos e indiretos.

    E mais gente comentou comigo que dependendo dos assuntos e comentarios escritos a voces (nao ofensivos), ocorre uma censura sim.

    Auguri, Pestes.

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    1. Vc está com o salame do Gladson nos olhos quando fala de vinho: Não enxerga a realidade.
      Não provou, me parece, o Chianti das décadas anteriores quando não eram adicionados os franceses e eram fáceis de beber sem precisar de ficar 5 horas abertos. Hoje , sim , precisam.
      Quer dizer que os milhares de viticultores franceses , italianos , espanhóis, portugueses que produzem algumas milhares de garrafas vão morrer?
      Quando?
      Faz séculos que continuam sobrevivendo (bem) e vao continuar.
      Aguarde a próxima matéria com mais respostas.

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    2. Estava com a rucula dele na cabeça mais a moringa do seu idolo, BBTTeteia.
      Nao, nao provei o chianti puro de decadas passadas por problemas de RG. Sou bem menos litrado que voces.

      Nasci na geracao chile argentina, mas graças as rezas da D. Clotilde hoje me livrei dos demonios novo-mundistas. E ainda tomo muito goianinho por vinho bom. Infelizmente.

      Aguardarei a proxima materia como um blogueiro de vinhos aguarda a chegada de brindes dos importadores ou produtores, ou um deputado aguarda o resultado de uma licitação fajuta.

      Pestes.

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  2. Bacco,

    Ainda que eu não rejeite uma taça de Galatrona, também me preocupo com a invasão de castas francesas em países com enorme riqueza de castas autóctones. Como bem lembrado, isso não ocorre só na Itália. Até a Bairrada, reduto da Baga, já está sendo invadida. Vejam parte de texto publicitário de uma vinícola de lá:

    "A vinha, que foi totalmente remodelada e replantada com diversas castas nacionais e internacionais - Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon, Merlot, Petit Verdot, Syrah, Pinot Noir, Pinot Meunier, Chardonnay, Sauvignon Blanc e Arinto -, permite produzir uma ampla e diversificada gama de produtos, incluindo vinhos tintos, rosés, brancos e espumantes."

    E a Baga?

    O mercado pede e a turma atende. Uma pena.

    Salu2,
    Jean

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    1. Perfeito: O mercado pede, a turma atende e.....fatura.
      No curto prazo é uma maravilha ,mas espere a próxima matéria para ver o que aconteceu com o Chianti
      É rir , para não chorar.

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  3. Bacco,

    Boa discussão, bons argumentos.

    Quanto à resposta n.º "5) Pequenos produtores não exportam para o Brasil. Os importadores nacionais preferem grandes nomes, marcas famosas, etiquetas caríssimos ou vinhos deploráveis, vagabundos e baratos.", estou tentando mudar o cenário. Reuni um grupo de produtores artesanais dos exclusivos "Colli Piacentini" Gutturnio, Ortrugo e Malvasia, todos com o selo DOC e estamos tentando convencer importadores brasileiros que vêm à Vinitaly a visitar a região e conhecer não apenas o vinho, mas as pequenas vinícolas artesanais, nas quais as famílias não ordenham vacas nem amassam o trigo, apenas cuidam com carinho das videiras e mantém uma tradição que não será nunca como o Chianti, pois as terras apropriadas à vinicultura já estão ocupadas e a zona de produção - pelo próprio regulamento do consórcio dos produtores - é restrita.

    Terei sucesso? Se em um ano - ...quem sabe? - você estiver escrevendo sobre a qualidade dos nossos Gutturnio, Ortrugo ou Malvasia, diria que sim.

    :)

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  4. Tenho minhas dúvidas. Os Colli Piacentini produzem vinhos que poderiam agradar o mercado nacional , especialmente na versão "Frizzante" ,mas a resistência dos importadores será grande.
    Espero , contudo, que tenha sucesso.

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